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Perigo sempre às voltas

Perigo sempre às voltas

*Por Circe Cunha e Mamfil 


Transformadas em moeda de troca, as terras públicas no DF foram, desde a emancipação política da capital, usadas de modo irresponsável e criminoso para auferir vantagens de todo o tipo, desde a atração de votos até a obtenção de lucros pra lá de suspeitos. Esperar que algum dia uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Legislativa desvende este cipoal de irregularidades é esperança vã.


Ao lado das consequências do aquecimento global, o que tem provocado, em grande parte, a situação de escassez de água em Brasília, é a ocupação irregular das terras públicas, principalmente naqueles sítios que os ambientalistas denominam de áreas de recarga. Nas últimas décadas, sob a vista grossa dos principais órgãos de fiscalização, a capital sofreu um poderoso processo de inchaço populacional, com pessoas afluindo de todos os cantos do país, atraídas pelas promessas de doação de lote e casa, em troca de apoio político.


Que relação causa/consequência poderia existir entre o inédito racionamento de água na grande Brasília, que levou a uma séria crise hídrica sem precedente e o tipo de política partidária praticada na capital nas últimas décadas? O que pode, num primeiro momento, parecer situações díspares, é uma verdade íntima e poderosa.


Do dia para a noite, centenas de novos bairros foram sendo erguidos às pressas e sem planejamento algum. O que resultou dessa irresponsabilidade e ambição de algumas lideranças políticas locais, os brasilienses vão, agora, experimentando na pele. Não é só o esgotamento hídrico, alertado lá trás pelos ambientalistas, mas o colapso de toda a infraestrutura da cidade.


Políticos, na sua maioria, têm dificuldade para entender o que é e para que serve o planejamento urbano. O horizonte desses personagens esporádicos se estende, no máximo, até as próximas eleições. O congestionamento em hospitais, escolas e outros serviços públicos é o mesmo que vem se repetindo diariamente nas estradas e o mesmo que vem se agravando no abastecimento de água e no fornecimento de luz.


O padecimento atual da população resulta da ação inconsequente de hoje e de ontem das principais lideranças locais e ameaça não só com a falta de água, mas com a inviabilização da capital, infelizmente transformada em valhacouto de oportunistas e aventureiros de toda ordem.


Foi somente a partir da mudança da capital para o interior do Brasil, nos anos 1960, que o imenso bioma de campo cerrado, com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, passou a ser explorado e pesquisado com mais atenção. Especialistas sabem, hoje, que o ecossistema, com idade média de 45 milhões de anos, reúne e concentra a maior biodiversidade de todo o planeta. Recentemente, com o aprofundamento das pesquisas, ficou patente, para os estudiosos do assunto que a preservação dessa área é de vital importância para o presente e o futuro do Brasil, principalmente por conta da questão hídrica.


Hoje, sabe-se que o cerrado é, por suas características ímpares, o berço das águas, concentrando nascentes que vão alimentar oito das 12 grandes regiões hidrográficas brasileiras. É nesta área que estão concentrados os aquíferos Guarani, Urucuia e Bambuí que alimentam alguns dos grandes rios do país. Com a expansão das fronteiras agrícolas, o cerrado ganhou um protagonismo econômico inédito que, num primeiro momento, pareceu e ainda parece, para alguns, ser a redenção para toda a região.


A introdução de monoculturas, na maioria transgênicas, plantadas em vastíssimos latifúndios nas planícies, totalmente mecanizados, se, por um lado, vem fazendo a riqueza e a prosperidade de uma minoria de grandes produtores; de outro, vem arruinando irreversivelmente todo o ecossistema, comprometendo, de forma até criminosa a produção natural de águas.


Em tempos de aquecimento global generalizado, a cada ano que passa a situação de crise hídrica nas cidades localizadas na região do cerrado se agrava um pouco mais. O desaparecimento de pequenos e médios cursos de água já se tornou fato comum. A vegetação sofre com as queimadas criminosas e com a derrubada, feitas pelos agricultores. Com a degradação da flora, somem os animais da região e tem início o lento e irreversível processo de desertificação,  em curso, segundo os especialistas. Na esteira dessa devastação, acentuada nos últimos anos, pela invasão de terras e áreas de proteção, não é de se estranhar que o GDF, à semelhança de outros estados da federação, tenha decretado, agora, o estado de “atenção”, ameaçando pôr em prática um rigoroso racionamento de água.


A rigor, a suspensão no fornecimento ou na distribuição de água escura para algumas regiões da capital vem acontecendo há algum tempo e tem se agravado nas últimas semanas. Na ocupação irregular de terras em troca de votos, começa a chegar o preço para a população e os valores serão altíssimos, inclusive com a ameaça de inviabilizar a própria capital dos brasileiros.


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A frase que foi pronunciada: “O dinheiro é como esterco: só é bom se for espalhado.” (Francis Bacon, político, filósofo, cientista, ensaísta inglês)

(*)  Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade - Foto: ecoa.org.br – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha -  Correio Braziliense


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