Pobre Zé Gotinha! O personagem que transformou a vacinação em uma festa
para as crianças foi reduzido à condição de miliciano com um fuzil nas mãos.
Esse é o anti-Zé Gotinha e o anti-Brasil, mesmo que venha enrolado,
indebitamente, na bandeira brasileira. O Zé Gotinha é candango e, por isso,
brasileiríssimo. Mais Brasília é mais Brasil.
O artista plástico Darlan Rosa,
mineiro de Coromandel, acumulou uma larga experiência em lidar com as crianças
desde quando fazia os cenários e desenhava ao vivo no Programa Carrossel, da TV
Brasília.
Naquela época, o Exército estava engajado na vacinação, cuidando de toda
a logística. Mas havia muito preconceito, quando as crianças ouviam falar de
vacina, tinham medo e se escondiam debaixo da cama. Então, ele propôs uma
campanha para que o processo de imunização fosse uma festa e as crianças se
tornassem os principais agentes da saúde. Elas mesmas lembrariam aos pais a
necessidade da vacinação.
E foi aí que nasceu o personagem do Zé Gotinha. Com mineira simplicidade,
Darlan imaginou a figura com uma síntese extrema, formada apenas por duas
gotas: uma para a cabeça e a outra para o corpo. Funcionou, era fácil e
democrática, qualquer criança poderia desenhar ou redesenhar a figura.
Darlan pediu que um grupo de Curitiba criasse um boneco, que desfilou por toda
a cidade em um carro do Corpo de Bombeiros. As crianças faziam filas pelas ruas
para ver o Zé Gotinha, nosso herói com caráter. Meus filhos se vacinaram sob a
influência do carismático personagem.
Graças à simpatia do nosso herói e a competência do nosso sistema público de
saúde, o Brasil conseguiu erradicar a poliomelite, a varíola, a rubéola, entre
outras doenças. Mas é preciso lembrar que atrás do Zé Gotinha existia a
responsabilidade na compra de vacinas, uma rede de postos espalhada pelo país e
milhares de profissionais qualificados.
O Brasil se tornou referência mundial em vacinação. Tem capacidade de
imunizar 60 milhões de pessoas por mês. O sucesso do Zé Gotinha levou Darlan a
ser convidado a fazer uma campanha para sensibilizar as crianças de Angola,
filhas de guerrilheiros rebeldes.
Zé Gotinha foi pensado na condição de personagem educativo. Reduzi-lo à
condição de miliciano é um desespero de quem apostou no negacionismo e, com 280
mil mortos, sofre pressão do Congresso Nacional, dos cidadãos, da imprensa, das
instituições e até dos investidores internacionais. Em plena pandemia, fizeram
decretos para liberar as armas e colocaram no Ministério da Saúde militares que
nada entendem de saúde.
Não se combate o vírus com fuzis. O resultado é o colapso do sistema de saúde e
a transformação do Brasil em ameaça global de saúde. Negar a vacina é fazer
apologia da contaminação, da doença e da morte. Durante uma cerimônia, Zé
Gotinha negou-se a apertar a mão do presidente e reafirmou a necessidade do
isolamento social.
Zé Gotinha é o nosso herói com caráter. Para ele, a vida está acima de
tudo, e a Constituição acima de todos. Deixem o nosso personagem em paz e
concentrem os esforços em comprar as vacinas que salvarão o povo brasileiro.
Severino Francisco - Jornalista, Colunista do Correio
Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google.