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Cultos presenciais

Cultos presenciais

 

É inacreditável que juiz do STF, Kássio Nunes Marques, permita, em decisão liminar, o retorno aos cultos presenciais. A deliberação chega precisamente quando os cientistas preveem que abril será o mês mais triste da história do Brasil, em razão do agravamento da pandemia. Kássio Nunes argumenta que o transporte público, os mercados e as farmácias, entre outros serviços essenciais, estão funcionando. Por que as igrejas não poderiam funcionar?

 

Concedo que a religião é um serviço essencial para os devotos em um momento tão dramático quanto o que vivemos. Mas há uma diferença crucial: no caso dos templos, a aglomeração pode ser evitada. É perfeitamente viável fazer o culto a distância e não correr o risco da contaminação.

 

O ministro Kássio alega, ainda, que a decisão dos governadores fere o direito constitucional de culto religioso. Trata-se de um argumento falacioso. Ninguém está impedido de professar a religião que quiser.

 

O que se tenta impedir, desesperadamente, é apenas a contaminação nos cultos presenciais. Pesquisa da universidade de Standford mostra que os cultos e missas apresentam potencial de contágio superior ao dos mercados e dos consultórios médicos.

 

O STF decidiu, em plenário, que os municípios e governos estaduais têm autonomia para definir as medidas que julgarem mais pertinentes para salvar vidas. Não há nada que justifique a deliberação desrazoada do ministro, a não ser os interesses eleitoreiros desconectados ou os carreiristas rasos.

 

Meu pai era pastor presbiteriano e minha mãe, enfermeira e devota fervorosa. Mas fervor religioso não era incompatível com a ciência. Pouco tempo antes de morrer, a minha mãe frequentava uma igreja evangélica no Conic. Certo dia, o dirigente passou uma sacolinha e pediu colaboração.

 

A minha mãe alegou que só tinha o dinheiro da passagem do ônibus de volta para casa. O dirigente respondeu que não importava, se quisesse receber as bênçãos, precisava pingar “a contribuição para Deus”.

 

Mesmo quando ficava brava, a minha mãe era de uma indignação serena. Nunca mais voltou àquela igreja, procurou outro templo menos ganancioso e encontrou. Ela estava feliz porque lá ninguém lhe pedia dinheiro, jejuavam e oravam o tempo todo.

 

Recuso-me a acreditar que o dinheiro seja o alvo de toda essa mobilização que coloca em risco a saúde pública. Causa estranheza o empenho da Procuradoria-Geral da República em liberar o culto presencial no ápice da maior crise sanitária enfrentada pelo país, com o sistema de saúde em colapso e as pessoas morrendo nas filas de espera da UTI.

 

Isso enquanto fecha os olhos para o tratamento precoce não autorizado pela ciência, a sabotagem de medidas sanitárias, as ameaças à democracia, a falta de vacinas e a punição esdrúxula de prefeitos a quem doar alimentos para os desvalidos.

 

E causa ainda mais estranheza que os dirigentes religiosos pretendam expor os fiéis a uma doença tão letal, no momento em que quem adoecer terá quase que uma sentença de morte, mesmo que disponha de plano de saúde ou ordem judicial.

 

É uma atitude irresponsável, desumana e anticristã. Os dirigentes religiosos deveriam ser os primeiros a proteger a vida dos devotos e orientá-los no sentido de manter o isolamento social neste momento tão delicado. Não existe nada de mais sagrado do que a vida.


Severino Francisco – Jornalista, Colunista do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog-Google.


 

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