A crise hídrica que se abate sobre os reservatórios
de algumas das principais hidrelétricas nacionais e já faz autoridades e
especialistas olharem com preocupação para mananciais de abastecimento revela um
país que não aprende com seus erros. Dono de cerca de 12% das reservas de água
doce superficial do planeta, segundo a agência reguladora do setor, e tido como
a “Arábia Saudita da água”, o Brasil usa mal um recurso que é precioso não
apenas para a saúde da economia, mas de sua própria população, e trata o que já
não é tão abundante como se fosse inesgotável.
O colapso que em 2014 atingiu várias populações
país afora — com uma crise de abastecimento que fez cidades usarem volumes
mortos de seus reservatórios e usinas se arriscarem a perder unidades de
geração — parece não ter deixado grandes lições. Se obras foram feitas para
garantir mais segurança em sistemas urbanos de abastecimento, o aspecto
principal jamais foi encarado como deveria e exige: com preservação, mas antes
de tudo com recuperação ambiental e conscientização.
Mananciais que poderiam ser fontes de lazer e
preservação da vida se transformaram em enormes valões de esgoto, que apenas
cospem para populações rio abaixo, em último caso para o mar, os dejetos
urbanos, como se a correnteza fosse capaz de fazê-los evaporar. As poucas
estações de tratamento de esgoto existentes constituem exceções que mal
disfarçam a regra: desprezamos nossa riqueza hídrica, transformamos em problema
o que deveria ser solução e nos acostumamos a achar isso normal.
O resultado aparece nas contradições de metrópoles
que lutam para conter inundações na estação das chuvas, enquanto temem
enfrentar sede e apagões na estiagem. E em uma sociedade que segue esperando
que a solução caia do céu em forma de chuva, para continuar se servindo de uma
matriz energética majoritariamente dependente do recurso tão maltratado, ao
mesmo tempo em que vê a devastação de ecossistemas avançar sem freio.
As crises hídrica e energética são irmãs siamesas.
O diagnóstico parte do médico e ambientalista Marcus Vinícius Polignano,
secretário do Comitê de Bacia do Rio das Velhas, em Minas Gerais. Ele chama a
atenção para a prática recorrente de sugar reservatórios à exaustão, sempre na
dependência da meteorologia para que se recuperem — um convite ao desastre,
especialmente em tempos de mudanças climáticas.
De Alagoas, o jornalista e ambientalista Anivaldo
de Miranda Pinto, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São
Francisco, complementa o alerta: “Infelizmente, por falta de planejamento
estratégico e vontade política, o Brasil não fez o dever de casa de se preparar
para este século de agravamento do aquecimento global”.
Enquanto as advertências soam e as evidências se
multiplicam, autoridades parecem mais uma vez correr para apagar o incêndio da
crise com a pouca água que resta, tratando como momentâneo problema que se
mostra estrutural. E, no atual cenário, enquanto a indústria bate recorde de
consumo de energia, a imposição de mais uma sobretaxa nas tarifas por “escassez
hídrica” é a resposta da ocasião. A conta, um ônus de 6,78% na tarifa média,
vai para o consumidor.
Investir em produção
de água via recuperação de ecossistemas, em desenvolvimento sustentável que
possa se aliar à preservação, em punição às infrações à legislação ambiental e
em conscientização são medidas que já não se podem fazer esperar. Não
resolverão a crise atual, mas não adotá-las fará com que o país continue a
aguardar a estação chuvosa seguinte como não mais que um refresco até o próximo
— e cada vez mais grave — colapso.