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A saudade que ficou

A saudade que ficou


Ante à maior crise sanitária do mundo contemporâneo, 12 mil pessoas morreram de covid-19 no Distrito Federal. Mais do que números, vidas interrompidas e planos inconclusos, que deixaram para familiares e amigos a dor da ausência. O Correio ouviu algumas dessas histórias de luto deixadas pela pandemia, o sentimento de impotência e a reconciliação com a vida, após a transformação da dor em lembrança.

 

A manicure Anália e o pedreiro Vilmar Mota viveram juntos por 35 anos. Depois de anos dedicados à construção de casas para outras pessoas, ele, finalmente, havia construído a da própria família. Animado com a chegada do primeiro neto, esperava aproveitar essa fase da vida, mas a covid-19 não permitiu. “A gente convivia quase o tempo todo juntos. Até hoje, mesmo depois de um ano, ainda é muito difícil”, diz Anália.

 

Segundo a trabalhadora, Vilmar tinha alcançado grande parte de suas metas, mas ele continuava estabelecendo novas. “Vivia com a cabeça no futuro, planejava tudo”, lembra. O neto, tão sonhado, acaba de completar dois anos, e o pai do menino, o filho de Vilmar, continua o legado profissional e até crê na presença paterna. “Agora, meu filho está com uma obra na Candangolândia e diz que às vezes acha que o pai está lá, ajudando ele”, afirma.

 

A incredulidade de perder um ente querido de maneira abrupta pode dificultar o processo de assimilação. O radialista Carlos José da Silva, 51 anos, viveu o drama com a morte da esposa, a servidora pública Eliza Frota. “Ninguém esperava, ela tinha uma saúde de ferro”, lembra. 

 

Aos 46 anos, Eliza tinha acabado de comprar um carro e pretendia continuar estudando para alcançar novos patamares profissionais. “Ela estava muito bem, demorou muito para a ficha cair. O médico chegou a falar que em três dias ela estaria ótima, mas, de repente, no dia seguinte, ela já não estava, não conseguia se alimentar”, rememora.

 

No começo da infecção, Carlos a levou para o hospital. A medicação intravenosa chegou a ser administrada diretamente na jugular, e ela apresentou sinais de melhora. Entretanto, Eliza começou a sentir fortes dores, e a medicação não minimizava o quadro. “A partir daí, ela foi intubada, e foi questão de quatro, cinco horas. Uma hora da manhã ela teve parada cardíaca, e alguns minutos depois morreu”, conta.

 

Segundo Carlos, até hoje, muitas pessoas não acreditam no que ocorreu, justamente por ela ter uma saúde considerada muito boa. “Nós temos uma filha de 17 anos, para ela foi muito mais difícil, porque andavam muito juntas, ela perdeu a mãe aos 16 anos. É difícil”, lamenta.

 

Hoje ele afirma estar bem, diz que refez sua vida e se casou de novo. Quando pensa no assunto, sempre diz achar “muito esquisito” tudo que ocorreu.

 

Luto: Larissa Polejack Brambatti, psicóloga e professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), explica que, para vencer o luto, é importante entender que trata-se de um processo individual. “Não adianta se comparar ou comparar o outro, pensar que fulano superou e sicrano não. Cada um tem um processo e vive à sua maneira e tem que respeitar isso. É natural ficar triste e ter oscilações”, explica.

 

A especialista destaca que, no processo para vencer o luto, falar das lembranças e bons momentos pode ajudar. “Em um espaço de acolhimento, junto à família e amigos, essa pessoa pode compartilhar, falar sobre o legado de tudo que esse ente querido deixou, ensinou e levar consigo tudo que se pode usar na vida daqui. Até que um dia a dor da memória se torne uma homenagem de vivência e legado”, completa Brambatti.

 

É assim que a servidora pública Vagna Ribeiro da Silva, 58, passou a encarar a perda dos pais. “Se eu tiver que definir a vida dos meus pais em uma palavra é gratidão por tudo que nos ensinaram e pelo legado de união e o amor que deixaram em nossa família”, reconhece.

 

O pai Elson Ribeiro da Silva, 80, e a mãe Maria do Carmo Silva, 77, faleceram em setembro de 2020. Elson era natural do Piauí e Maria do Carmo do Rio de Janeiro, mas foi no Distrito Federal que se encontraram e constituíram a família.

 

Um dos primeiros moradores do Guará, Elson era policial militar e construiu a primeira casa com as próprias mãos. A filha mora até hoje no patrimônio afetivo. Mesmo idosos, Vagna conta que eles gostavam de dançar e frequentavam o grupo da terceira idade. “Fizeram muitos amigos de longa data, batalharam demais por tudo que conquistaram sozinhos. Em comum, eles tinham essa questão de ajudar os outros”, completa.

 

Neta do casal, Yanna Ribeiro da Silva Araujo, 25, teve a oportunidade de realizar um dos últimos sonhos dos avós: se formar na faculdade. “A minha formatura é uma das melhores lembranças que tenho com eles”, afirma. Incentivador, Elson dizia que seu maior desejo era ver a jovem diplomada. “Foi um momento especial e emocionante. Foi a última realização de um sonho deles e que também era meu”, conta a odontóloga.

 

Despedida: Luis Felipe Silva, 37, perdeu o pai, Enock Sant’Ana, para a covid-19 apenas três anos após o conhecê-lo. Infelizmente, eles não tiveram muito tempo para conviver, mas puderam aproveitar a oportunidade. No caso de Luis, viver o luto foi também encontrar forças para superar a própria internação.

 

Quando o servidor público começava a lidar com o luto foi diagnosticado com a infecção e ficou internado por dois meses. Luis Felipe passou por momentos de dificuldade e chegou a ser intubado. “O processo de luto que tive, passou a ser uma questão de superação, de ter tido uma segunda chance, de ter renascido, mas ainda sinto a perda do meu pai”, diz.


No começo, ele confessa que sentiu revolta, pensando que estava passando por tudo que seu pai havia vivido. “Meu pai tinha 71 anos, estava há uma semana de receber a primeira dose da vacina”, lembra. O próprio Luis Felipe, quando foi internado, iria receber o imunizante em sete dias.

 

Hoje, ele conhece mais da vida de  seu pai por meio de seus tios e irmãos. Um pouco antes da pandemia, Luis e sua esposa comentaram com o pai sobre a vontade de terem filhos, e Enock e incentivou a ideia. Apesar da gratidão pelo que viveu com o pai, o servidor público lamenta o fato de não poder apresentar os netos.



Ana Luisa Araujo - Renata Nagashima – Foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense


 







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