Diante de um mundo de abissal
incerteza, às vezes, o nosso repertório fica pequeno para lidar com as coisas
da vida. Costumo buscar nas memórias aquilo que me faz forte. Na minha timeline
do passado, surgem flashbacks potentes de amor, que me lembram de onde eu vim,
quem eu sou e do que sou feita.
Hoje, como não podia deixar de
ser, meu pensamento é todinho tomado pelas lembranças do meu pai. Ele me deixou
há tempos, mas não sem antes me ensinar muitas e muitas coisas sobre o bom da
vida, mesmo nos momentos mais difíceis.
Meu beijoqueiro favorito não era
perfeito e ainda bem que não era. Com ele, eu aprendi a nadar, a dirigir, a rir
dos próprios erros. Alto astral sempre, dono de um bom humor contagiante, mesmo
quando a saúde faltou. Meu pai era música. Amava Luiz Gonzaga e Quinteto
Violado. Sua risada era canção e me lembrar dela é sentir um sopro de vento bom
com cheiro de maresia e de feira.
Era também um leitor atento e
voraz de jornais e revistas como O Cruzeiro e Manchete. Olho em volta da redação
e sinto essa herança boa do gosto pelo jornalismo, pelas notícias, pela
criatividade, pelas coisas do mundo, pela palavra, pelas histórias das pessoas.
Agora, às vésperas de uma campanha
eleitoral que promete ser um tanto ruidosa, me lembro do meu pai como um
eleitor consciente, que dava um valor inestimável ao voto. Ele acompanharia
atentamente os noticiários e pesquisaria os candidatos para fazer a melhor
opção. Não desprezaria nunca sua chance de escolha e respeitaria o resultado
das urnas. Dentre as lições mais importantes que ele me deixou, o valor da
democracia talvez seja o mais precioso.
Meu pai amou sem medo. Os filhos, os netos que conheceu e, tenho certeza, também os que não conheceu. No seu repertório, que agora é meu, não havia violência, nem sacrifício que não pudesse ser tolerado, nem tristeza que não pudesse ser superada, nem falta de esperança. Que bom tê-lo na minha vida. Desejo hoje que honre seu pai e tudo o que ele é capaz de ensinar, mesmo nos momentos difíceis.