Se estivesse vivo hoje, por certo,
o dramaturgo Dias Gomes (1922-1999) ficaria espantado com a verossimilhança
entre sua peça Odorico, O Bem-Amado, de 1960 e o que ocorre atualmente na cena
política do país nesse ano do nosso Senhor de 2022. É a realidade imitando a
ficção e elevando a imaginação aos píncaros da criatividade.
De fato, o Brasil é hoje uma
imensa Sucupira, local fictício, onde se desenrola a trama. Na verdade, desde
sempre o Brasil, pelos personagens e lideranças políticas caricatas, é um país
onde a realidade e ficção sempre andaram de mãos dadas. Tanto que é difícil
saber ao certo, onde começa uma e termina outra.
Certo também é que no atual
contexto político, fica fácil saber a quem melhor encarnaria o personagem de
Odorico Paraguaçu, por seu histrionismo e por suas falas amalucadas, cheias de
nonsense. Na ficção, Odorico é o prefeito de Sucupira, retratado como um
político corrupto, demagogo e que ilude a inocente população local com seus
discursos verborrágicos, repletos de neologismos e de ameaças mirabolantes.
Odorico é um ufanista, defensor do
nepotismo e na peça acredita, com segurança que resolverá todos os
problemas locais de sua administração, bem como os centrais do planeta, por
meio de medidas como a exportação do azeite de dendê. “Vamos temperar o Brasil
com azeite de dendê e pra frentemente vamos temperar o mundo e o mundo vai se
curvar ante o Brasil, ao provar do nosso acarajé, do vatapá e do nosso caruru.
Vamos acarajeizar a América, vamos vatapazar a Europa. Para esse meu coração
verde amarelecido, que nada de braçada no mar das ufanias, mormentemente
considerando que isso representa mais divisas para nosso país, o equilibrismo
de nossa balança de pagamentos e, quiçá, a salvação da nossa mui amada e
afazmente endividada pátria.”
Vivêssemos na terra do nunca, onde
até a maldade é de mentirinha, esse seria um discurso apenas hilário. Mas a realidade
não tem graça alguma, e torna-se até ameaçadora quando vemos que esse tipo de
político, milagrosamente, ainda aceito pela população iletrada, brandir suas
promessas agourentas, cheias de maus presságios.
Com relação ao petróleo, nada mais
atual do que o discurso de Odorico: “Para o problema do petróleo, eu já criei a
Petropira, que é para explorar o petróleo de Sucupira, emboramente esses
retaguardistas, esses retogradistas, corugistas, digam que não existe petróleo
em Sucupira. Mas nós vamos assinar um contrato de risco com a Petrobras, desses
em que o risco é todo dela e o petróleo é todo nosso”. Nada mais semelhante ao
que escutamos hoje.
Quanto perguntado sobre a posição
política desse gênio da raça, filho legítimo do cabrestismo ou voto de cabresto,
a resposta é de uma atualidade ímpar: “Eu sou partidário da democradura e que
bota os pés no hoje com os olhos no depois de amanhã”. Qualquer semelhança é
pura coincidência.
Para que tão nobre e impoluto personagem prossiga sem atropelos, em sua caminhada, agora na vida real, levando a frente toda essa farsa sociopolitico-patológica, como definia Dias Gomes, é que o Tribunal Superior Eleitoral, na figura de seu comandante, mandou censurar severamente todas as críticas que porventura venham a ser feitas ao político de passado ruinoso. É a justiça tentando reescrever a realidade, dando cores fantasiosas aos fatos, numa autêntica medida “marronzista” e “badernenta”. É a história entrando para os anais e menstruais desse país surreal.