Desde que
somos gerados, também somos regidos. O tempo, senhor de todos os destinos,
sempre estará a nosso favor. A partir de determinado momento, ganhamos algumas
salvaguardas do Estado. Uma espécie de card para lembrar que, se a idade chega,
é preciso requerer direitos. Estou a um passo de ganhar meu passaporte para
estacionar na vaga dos idosos — se é assim que ainda chamam.
Para dias
infernais de trânsito, é como ganhar um bilhete premiado. Digamos que esta
facilidade detonou em mim memórias distantes. A volta aos 17 anos e o frio na barriga,
aguardando o resultado do crédito educativo, que hoje se chama Fies. Para
muitos de nós, a única chance de ter um curso superior.
O antigo
Programa de Crédito Educativo (Creduc) me bancou por quatro anos para estudar
em universidade particular. O curso de jornalismo era o que sempre sonhei e
como só a Unicap dispunha, eu encarei mesmo sabendo que não conseguiria
bancá-lo. Minha irmã mais velha, arrimo de família, me disse: "Pago a
matrícula e dois meses de faculdade, enquanto isso você entra na fila do
crédito e reza". Foi o que fiz. E três meses depois chegou a notícia de
que eu havia conseguido.
Foi um
imenso rito de passagem. Turma nova, gente descolada, diversa, artistas,
médicos, um tenente do Exército, dois cantores, uma dona de casa, poetas, gente
humilde, gente cheia da grana. Sabe paixão? Pois bem, tudo que imaginei
encontrei ali.
Penso na
passagem do tempo e nas oportunidades que só temos quando o Estado mete a mão
para apoiar. Torço para que o novo governo seja sensível às necessidades dos jovens,
seja para entrar em uma faculdade; seja para financiar uma pesquisa por meio de
uma bolsa de estudos; seja para fortalecer as cotas. Porque isso muda vidas.
Enquanto
aguardo a minha nova carta de alforria do poder público — o meu card de
idosa — penso também que é um pequeno símbolo de uma nova vida. Nunca
escondi a idade. Não me envergonho do que me tornei. Sempre amei pessoas mais
velhas — gosto de cinema antigo, músicas antigas, cidades antigas. Me sinto em
casa.
Mas sei que
o etarismo existe e, como tantos, terei de enfrentá-lo. Ninguém me disse que
seria fácil. Mas nada nunca foi fácil. Um amigo querido me falou certa vez que,
em alguns países, os 60 são mais celebrados que os 50. A maturidade, enfim,
mostra seu maior triunfo.
Marcas de
sabedoria que acumulamos ao longo do tempo nos ajudam a enfrentar obstáculos.
Lá atrás, era a falta de dinheiro e de oportunidades. Sempre haverá o machismo
e a misoginia. Aos velhos, apresenta-se um tipo de preconceito até então
desconhecido.
Apego-me à
letra de Arnaldo Antunes: "A coisa mais moderna que existe nessa vida é
envelhecer". Estou totalmente pronta? Não sei. Mas estou me arrumando aqui
pra festa.