É certo que a arte de fazer política, na verdadeira
acepção da palavra, não é exclusividade dos políticos profissionais. Na
realidade, muitos desses políticos que aí estão não entendem o que vem a ser a
verdadeira política. Se entendem, não a praticam, preferindo exercer um cargo
de status para dele retirar e desfrutar as benesses para si.
Exercem mandatos, tendo em mira objetivos egoístas,
como o enriquecimento material e a satisfação do ego. Auxílios que são bancados
com o suor do povo brasileiro e que em outros países são absurdos e
inimagináveis.
Muitos brasileiros comuns, afastados das luzes dos
holofotes e dentro das limitações que lhes são próprias, exercem, às vezes sem
saber, a práxis política em toda a sua inteireza e com grande galhardia, sem
disso retirar proveito próprio ou buscar satisfação para o sempre enganoso ego.
São cidadãos desconhecidos, espalhados por todo esse imenso país, que têm no
seu dia a dia o costume, e mesmo o caráter, de se entregar espontaneamente em
favor do próximo, realizando pequenos trabalhos que resultam sempre no
desenvolvimento de sua comunidade.
Nem mesmo a falta de recursos desanima esses
brasileiros de exercer uma função social, realizando o que pode ser definido
como verdadeira política. No início da construção de Brasília, muitos daqueles
que para aqui vieram se estabelecer, em busca de uma vida nova, tinham, como
prática normal, a ajuda aos novos candangos que chegavam, auxiliando-os na
busca de empregos, alojamento e outras necessidades. Essa era uma prática
constante e muito comum, que ajudou a cidade no fortalecimento dos seus laços
sociais.
Nessa época, não importava a função exercida pela
pessoa, todos se amparavam, pois sabiam no fundo, que a concretização
definitiva da capital só seria possível se todos se irmanassem num objetivo
comum. Realizavam assim a verdadeira política, fortalecendo a cidadania. A
fundação da capital teve, nesse alicerce humano, seu mais significativo pilar.
Também eram tempos diferentes e em que os escândalos
políticos, mesmo por sua insignificância, comparados aos de hoje, pareciam ter
ficado para trás, na antiga capital, o Rio de Janeiro. Por essas bandas,
perdidas no interior do Brasil, buscavam os migrantes não apenas uma nova
capital material, mas, sobretudo, um novo homem e mulher brasileiros, capazes
de deixar para as próximas gerações um país reformado e fundado no seu sentido
moral e ético.
Milhares dessas histórias podem ser aqui
mencionadas, contando as dificuldades daquela época e como as pessoas comuns,
ou nem tanto, apoiavam-se mutuamente para fazer frente a esses desafios.
Exerciam, assim, a política que interessa e que produz resultados reais. Muitos
também que estão hoje em posição de destaque nessa cidade podem testemunhar o
quão foi preciso a ajuda recebida e a mão solidária daqueles idos dos anos
sessenta.
Da mesma forma aqueles abnegados benfeitores não
faziam alarde de sua atuação em prol de seus semelhantes. Não vale aqui citar
nomes, até para não ter que cometer a injustiça de deixar outros personagens de
fora. Mas do que vi e vivi desse tempo de colonização do Centro-Oeste, deixo
aqui o testemunho real e sem fantasias, de quanto o meu pai, jornalista,
fundador desse jornal e dessa, talvez mais antiga coluna do mundo, fez por
Brasília e, principalmente, por sua gente, defendendo a cidade para que não
fossem perdidos seus princípios norteadores, angariando com isso muitos
admiradores e, obviamente, alguns detratores também.
Lembro ter presenciado, por diversas vezes, sua
sala de trabalho no jornal, abarrotada de pessoas que buscavam amparo de todo o
tipo. Todos recebiam sua atenção. Ao passear com Ari Cunha, já estava
acostumada a fazer o mesmo percurso que os outros por mais tempo. Todos queriam
conversar com ele, dar sugestões de nota, agradecer pelo que ele havia escrito.
Uma multidão se aglomerou no cemitério, ao
contrário do que ocorrem com o velório dos políticos profissionais, quando a
multidão vai ao cemitério apenas para se certificar de que o político morreu
mesmo. Na despedida, todos da família ouviram o quanto ele ajudou. O primeiro
emprego, a bronca que transformou a vida, o terno dado para que o repórter
pudesse cobrir o parlamento, o inimigo de suas palavras confessando, hoje, que
Ari Cunha tinha razão. Assim, não foram poucos os que ajudou a dar os primeiros
passos na cidade. Exercia a política sem ser político, apenas cidadão. Nunca
fez alarde dessa sua atuação e nunca buscou proveito próprio para si ou os
seus. Sabia, por experiência, que jamais deveria ficar devendo algo a alguém,
pois entendia que essa liberdade lhe dava o direito de criticar as autoridades.
Não devia favores, prestava, isso sim muitos favores e isso lhe dava alegria.
Ainda hoje, não são poucos os leitores e não
leitores que conversam conosco reconhecendo o amparo e a ajuda recebida de meu
velho pai. Nunca quis nada em troca. Não aceitava bajulações. Recebeu muitas
medalhas em vida. Respeitava as homenagens, mas isso não lhe tirava o ego do
lugar, nem alterava o tamanho.
Morreu sem dívidas e sem riqueza material, embora as oportunidades fossem muitas. Exerceu a profissão de jornalista como poucos nesse país. Como um político, no sentido solidário e humano, foi um exemplo.