O ataque é sorrateiro, de baixo
para cima; os inimigos não voam nem pulam, mas têm uma resistência
extraordinária e se agarram com incrível facilidade. É uma incursão militar,
como se estivessem invadindo uma praia na Normandia. Centenas? Milhares? Uma miríade,
incontáveis como estrelas e doloridos como espinhos cravados.
É preciso voltar no tempo da
narrativa.
Nosso amigo foi aliviar os
sobressaltos políticos da semana em um passeio pela orla do lago Paranoá, mais
precisamente na península norte. Livre das cercas residenciais por uma decisão
judicial, a área virou um matagal – os proprietários das casas que antes
chegavam à margem se desiludiram e deixaram o espaço ao Deus-dará. Defensor do
verde, nosso amigo não se assustou.
Ecologistas argumentam que 30 metros
de margem – o chamado Terreno de Marinha, estranhamente aplicado no Paranoá,
que não sofre variação de maré – é área de proteção ciliar para o espelho
d’água. Daí, a natureza toma conta e o matagal se mistura às árvores
alienígenas – jabuticabeiras, pitangueiras e goiabeiras, entre outras –
formando um bioma esdrúxulo.
Depois de alguns verões, o mato
vicejou com força; a proximidade com a água faz com que o verde não sinta a
temporada seca e o local, à falta de foice, enxada e ancinho, ao contrário de
virar um lugar para todos, como alegou o político que tenta faturar com a ação
até hoje, virou terra de ninguém. Para ser mais exato, mato de ninguém.
Mas o nosso amigo não é de se
render às adversidades. Acostumado ao enfrentamento, pegou o filho e o cachorro
em casa, vestiu bermudas e partiu para conhecer a tão falada orla livre. A
primeira imagem foi a de um bando de capivaras – eram pelo menos 20 animais –
tomando sol até que o cão correu latindo e os roedores mergulharam todos.
Distraído, nosso personagem
enfiou o pé direito num ninho de carrapatos que lhe tomaram a perna com a
velocidade de uma faísca. Por sorte, conseguiu pegar o filho no colo. Os miúdos
carrapatos-estrela, sabe-se, podem ficar meses sem se alimentar, esperando por
uma capivara ou por um incauto com pernas de fora para matar a fome.
Não havia muito o que fazer além
de voltar pelo mesmo caminho já que as outras saídas estão fechadas pelo
matagal. Deu tempo de xingar o amigo que insistira tanto para que ele fosse
caminhar pelo local, o político responsável pela mataria que tomou o lugar de
quintais bem tratados, os ecologistas de araque que atacam quem propõe
controlar o número de capivaras, ainda que um lago artificial não seja habitat
natural de nada.
Quando o Paranoá foi formado
certamente desalojou ou afogou tatus peba, talvez um catitu ou queixada que os
operários da Vila Amaury deixaram escapar do churrasco. Mas não há notícia de
capivara na aridez do cerrado. Com a proliferação das capivaras, aumentaram os
carrapatos; se ainda não transmitem a febre maculosa, já começam a matar. Nosso
amigo e o filho sobreviveram ao ataque, mas o pobre beagle não teve a mesma
sorte. Está, como dizíamos para as crianças, no céu dos cachorros.