Hamilton de Holanda é, há algum tempo, o instrumentista brasileiro de
maior presença no exterior. São frequentes as turnês internacionais do
bandolinista que iniciou a trajetória musical em Brasília, no âmbito do Clube
do Choro, ao lado do irmão e violonista Fernando César, com quem, na infância,
formou o grupo Dois de Ouro. Em carreira solo, há 20 anos, o músico
lançou 30 discos e é detentor de vários prêmios. Para se ter ideia de sua verve
criativa, no período da pandemia covid19, ele estabeleceu para si uma meta e
levou adiante a proposta de compor um tema por dia — registrados nas
plataformas digitais. No projeto mais recente, porém, reverente, Hamilton
celebra a obra de um dos mestres da MPB no álbum Samurai — A música de Djavan,
lançamento da Sony Music. Ao passear por um repertório de 12 composições, o
bandolinista tem contato com a diversidade da obra do artista alagoano. Em
cinco faixa, ele conta com a participação de convidados, e em duas tem a
companhia do homenageado. Djavan solta voz em Luz e Lambada de
serpente. O uruguaio Jorge Drexler interpreta Lilás; Glória Groover
potencializa a faixa título; o pianista cubano Gonzalo Rubalcaba exibe o
conhecido talento em Irmã de neon. Há ainda a participação de duas convidadas
especiais a saxofonista norte-americana Lakacia Benjamin, em Samurai; e a
indiana Varijashree Venugopal, que toca flauta, e Isa, a voz, em Oceano. Já o
pianista brasileiro Salomão Soares marca presença em Capim. Um time de
peso foi escalado por Hamilton para acompanhá-lo: o brasiliense André
Vasconcellos (baixo e guitarra), Thiago Big Rabelo (bateria e programação),
Armando Marçal e André Siqueira (percussão).
Vem de quando seu interesse pela obra de Djavan? O interesse surgiu
na época da adolescência, eu tinha uma banda no colégio em que estudava, o
Sigma. O repertório era de músicas do Caetano, do Gil e do Djavan. Nessa
época, Sina era o nosso hino, a música que a gente tocava para começar, para
terminar os shows, as coisas que a gente fazia. A gente fazia ensaios na 711
Norte, na casa do Alex, que era o baterista. Então, desde essa época,
passei a ouvir mais o Djavan. Eu tinha, sei lá, 15 para 16 anos.
Anteriormente, você chegou a tocar com ele em gravação ou
show? Quando cheguei ao Rio de Janeiro, ao voltar de Paris, ele foi
um dos primeiros grandes artistas a me chamar para gravar, me acolher assim. E
ele fez uma música especialmente para eu tocar com ele, me ensinou no estúdio.
Gravei a música inteira, que ainda não tinha nem letra nem nome. Depois é que
fez a letra e colocou o nome e deu o nome de Vaidade, que acabou sendo também o
nome do disco também, de 2004. Ouve-se, inicialmente, a apresentação da música
inteira, só o bandolim solando com a banda. Depois é entra o canto. Eu fiquei
muito emocionado na época com isso, porque um artista do porte do Djavan abrir
a música dele assim para eu interpretar foi realmente muito especial. E aí eu
fiquei com a sensação de gratidão desde essa época, além, claro, de gostar
muito das músicas dele, do repertório, uma gratidão de fazer um disco um dia
com a obra dele. E chegou esse dia.
Que avaliação faz do trabalho do cantor e compositor alagoano? Eu
acho o Djavan um compositor único, porque ele conseguiu juntar vários talentos,
né? De tocar muito bem, cantar muito bem, escrever poesia bem, saber de
harmonia no violão. Tem muitas qualidades que fazem com que a arquitetura da
música dele seja muito específica e praticamente música clássica, uma música
que tem muitos detalhes. Ela tem essa popularidade, ela tem esse ar de música
popular que todo mundo gosta e que canta, que dança. E, ao mesmo tempo, ela é
cheia de detalhes na construção, seja da melodia, da harmonia, que fazem uma
obra única e que está entre os maiores compositores da música brasileira, com
certeza. Ou seja, homenagear o Djavan é homenagear a música brasileira. Ele é
um dos representantes mais importantes de todos os tempos com certeza.
O que o levou a dedicar um álbum ao legado deste mestre da
MPB? Veio de uma gratidão dessa época de 2004, quando ele me recebeu no
estúdio dele. Eu me senti também maduro para entrar na linguagem, no tipo de
linguagem da música dele, que é uma música que tem várias caras, vamos dizer
assim, né? Tem a parte mais groovada, mais pop, tem a outra mais romântica,
mais nordestina de Luiz Gonzaga, brejeira. Tem também uma ligação com o jazz .
Antes, havia gravado dois discos de composições autorais. Um deles, inclusive,
me deu o Grammy Latino. Então, eu me senti bem maduro para encarar o desafio.
Qual foi o critério para a escolha dos artistas que participaram do
disco? O critério foi uma coisa meio afetiva. Cada um teve uma história. A
indiana Varijashree Venugopala é uma cantora que eu conheci no desafio Canto da
Praia, uma série de vídeos que fiz na época da pandemia, com a colaboração dos
internautas. E ela foi uma das pessoas que mandou o vídeo e eu chorei na época,
fiquei muito emocionado. Aí, depois disso, ela participou do meu disco Maxixe
Samba Groove, cantando a música Choro Fado. A gente fez show nos Estados Unidos
também e eu participei do disco dela, que traz algo muito forte, emocional, e,
tecnicamente, leva a música para um lugar universal. Jorge Drexler eu conheci
da época de umas parcerias dele com o Paulinho Moska. Depois, me ative ao
trabalho dele no disco Tinta y Tiempo. E fiquei encantado. Quando conversamos e
o ouvi falando um português perfeito, o deixei à vontade para cantar em
português ou espanhol. Ele é um cara que gosta muito da música brasileira, e
colocou um molho ali que ficou muito bonito.
O Gonzalo Rubalcaba é um pianista por quem tenho uma grande admiração.
Contribuiu muito com seu piano jazzístico e cubano, na música Irmã de Neon. O
Zeca Pagodinho foi uma coisa que aconteceu também espontânea. Tenho estado
muito com ele no Rio, nos últimos tempos, e quando fui gravar o disco,
convidá-lo foi meio que óbvio. Acho que ele deu um balanço carioca
espetacular. E faltava uma voz da nova geração. Então me veio a ideia de
chamar a Glória Groove, de quem admiro muito a voz. Ela é uma cantora espetacular,
que trouxe para Samurai uma coisa nova, atual.
Tem a Lakecia Benjamin, que é uma saxofonista de Nova York, que
inclusive tocou com o Stevie Wonder algumas vezes. Fez a conexão com a gravação
original, porque na gravação original, a parte instrumental é o Stevie Wonder
tocando gaita. Na gravação original de Samurai. Então, a Lakecia fez essa
conexão lindamente.
Como foi para você a participação de Djavan? O Djavan não podia
faltar, né? Mostramos as músicas para ele sugerimos duas, Luz e Lambada de
Serpente. E ele adorou, até agradeceu, pois fazia tempo que não as cantava,
Luz, principalmente. E ficou feliz de reencontrar a música no estúdio.
Quanto aos outros participantes? O Salomão Soares, que faz um solo
em Capim é um músico fantástico, que gravou comigo o Flying chicken, meu disco
anterior. E faz os teclados de todo o disco. Tem a participação do Armando
Marçal, percussionista que gravou muita coisa com o Djavan, inclusive a
gravação original de Oceano. O baixista André Vasconcelos, outro brasiliense,
tocou muito tempo com o Djavan, então trouxe também uma experiência forte. Há
ainda o André Siqueira, percussionista, que gravou comigo o disco Maxixe Samba
Groove. Ele traz o as percussões do Cacique de Ramos, que levam a gente para a
realidade do samba do Zeca Pagodinho.Tudo isso sempre conversando muito com o
Marcos Portinari também, que é um cara que está sempre pensando junto comigo os
projetos que realizo.
Em relação ao repertório, o que levou a escolher essas 12
canções? Olha, foi uma questão afetiva. Foi também a ligação das músicas
com o bandolim; melodias que caíssem bem no bandolim, para interpretar de uma
maneira que mantivesse a questão artística do autor. E, acima de tudo, um
desapego. Porque, desde o começo, eu pensei, não vou conseguir gravar
tudo. O Djavan tem um repertório imenso, maravilhoso. Então, aceitei isso desde
o começo, me desapeguei e fui nas músicas que também pudessem manter a essência
do autor, além de mostrar as várias faces do compositor.
De que forma o homenageado recebeu a celebração? Pelo que ouvi e
senti, ele gostou muito. Ficou contente e comentou que aquele disco parecia ter
sido feito na casa dele, pela conexão com a música dele. Durante a audição,
sorria, batucava junto e, enfim, elogiou. E, acima de tudo, se disse muito
honrado.
Além do show para convidados, no Itamarati, fará outro para os brasilienses? Em breve! Vamos lançar o disco com um show no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em 14 de outubro. A partir daí, vamos começar a marcar as data pelo Brasil, para fora do do país. Brasília com certeza vai estar nessa agenda.