Se existe um detalhe que nem o
socialismo nem o nazismo gostam de admitir é que, por trás de toda sua
propaganda ideológica, sempre existiu uma pulsão para minar dentro do indivíduo
todas e quaisquer ligações com suas raízes e, portanto, com sua família,
substituída por uma espécie de pai coletivo e impessoal, personificado agora na
figura do chefe de Estado.
Para muitos historiadores livres
e infensos a ideologias, essa situação foi sendo erigida à medida que avançavam
os “progressos” gerados da Revolução Industrial, sobretudo com o êxodo dos
trabalhadores dos campos para as cidades nascentes em busca de melhores
condições de vida.
A racionalização da produção e a
perda de identidade ajudaram a fermentar o caldo em que os trabalhadores se
viram imersos num misto de misérias e incertezas, onde a despersonalização do
indivíduo o deixou à mercê de apelos exóticos. Transformado agora naquilo que
ele não era em sua origem, abriu-se dentro dele um deserto capaz de assimilar o
que quer que fosse. Era o homem transformado em suco.
Se já não sei o que sou, logo
posso ser o que querem que eu seja. Uma coisa é certa: é preciso ser alguma
coisa, mesmo que não seja nada. Presas fáceis de demagogias, serviram essas
multidões para dar a feição ao mal.
Daí a insistência com que as
ideias totalitárias buscam desmanchar os laços familiares, pois são eles que
conferem identidade. Daí também a insistência com que os ditadores buscavam
destruir a religião e quaisquer laços com o mundo espiritual, pois muitas delas
falam ao espírito, que é uma entidade individual.
A desculturalização é assim: um
processo precioso para aqueles que querem dominar. Um fato que chama a atenção
é que até a maneira de vestir e os modelos de vestuário uniformizados usados
pelos trabalhadores concorrem para a despersonalização deles. Observe que, na
Coreia do Norte, até o modelo do corte de cabelo para homens e mulheres é
ditado pelo governo. Fugir desses padrões é ir ao encontro da morte.
A pasteurização do indivíduo e
sua imersão numa massa amorfa tornam fácil todo processo de instauração dos
totalitarismos. Observe que o que é retirado do indivíduo como identidade é
imediatamente preenchido com as novíssimas ideias de controle. A felicidade é
dada pela certeza de que já não existem classes sociais acima.
Todos estão nivelados por baixo.
Exceto aqueles que estão no comando ou na nomenclatura. Desraigado, resta ao
indivíduo capitular numa espécie de morte em vida, ou como dizia o filósofo de
Mondubim: “Para viver, basta estar morto”.
Outro aspecto, e que diz muito
sobre esses nossos dias atuais, é com relação à intercomunicação entre os
indivíduos por meio das redes sociais. É preciso também, nesse caso, cessar o
diálogo entre as pessoas, pois dele podem nascer ideias subversivas, como, por
exemplo, a de manter a própria identidade. Vem daí o eufemismo da regulação das
mídias, que nada mais é do que impedir que possa renascer a ideia de que o
indivíduo é um ser único e ninguém pode substituí-lo e, sobretudo, diluí-lo.