O
empresário Elon Musk, dono do X (Twitter), foi o grande destaque dos discursos
proferidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados na
manifestação deste domingo (21), no Rio de Janeiro. Inicialmente, o ato marcado
pelo ex-chefe do Executivo tinha como foco defender sua imagem em relação às
investigações da operação Tempus Veritatis, que apura suposta tentativa de
golpe de estado, mas as revelações de documentos internos do Twitter e de um
relatório da Câmara dos EUA, que mostram pedidos de censura feitos pelo
Judiciário às redes sociais, deram outro rumo ao evento.
Discursando
na orla de Copacabana, Bolsonaro classificou o magnata sul-africano como um
“homem de coragem” e pediu uma salva de palmas para Musk. “É o homem que teve a
coragem de mostrar – já com algumas provas, outras virão com certeza – para
onde a nossa democracia estava indo. O quanto de liberdade já perdemos. E eu
peço agora, respeitosamente, uma salva de palmas para Elon Musk”, afirmou o
ex-presidente.
Além
de Bolsonaro, Musk também foi elogiado pelo deputado federal Nikolas Ferreira
(PL-GM). “Sei que isso aqui vai rodar o mundo, peço uma salva de palmas pela
luta pela liberdade do nosso país (...). A luta pela nossa liberdade depende de
cada um de nós”, disse Nikolas.
A
população também destacou o papel de Musk no embate pela liberdade de expressão
com cartazes e toalhas à venda. “Thank You, Elon Musk” (Obrigado, Elon Musk),
dizia uma faixa pendurada em uma escada.
Musk
virou o herói da direita depois que o jornalista Michael Shellenberger divulgou
documentos internos do Twitter, repassados a ele pelo empresário após comprar a
rede social e transformar no atual X. Parte desse material continha e-mails
trocados entre a plataforma e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com ordens
de retirada de conteúdos por “desinformação”. Outra série de decisões e ofícios
mais recentes, revelada na semana passada em relatório parcial de uma Comissão
na Câmara dos EUA, mostra ainda que o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes mandou retirar do ar cerca de 150 perfis nas redes
sociais. O documento diz ainda que outros 300 perfis correm risco de serem
censurados.
Malafaia
falou o que Bolsonaro não poderia dizer contra Moraes e Pacheco
: Bolsonaro fez um discurso mais incisivo contra a censura, em comparação
à manifestação realizada em fevereiro em São Paulo, mas não mencionou
diretamente os ministros do STF. As críticas mais duras a Alexandre de Moraes e
ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que poderia pautar o
impeachment do ministro do STF, foram feitas pelo pastor Silas Malafaia.
Durante o discurso, o pastor disse que o presidente do Senado era “frouxo” e
defendeu a renúncia dos comandantes das Forças Armadas.
Para
o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí
(UFPI), Malafaia falou o que Bolsonaro não poderia dizer, já que é investigado
por Moraes. No protesto, o líder religioso chamou o magistrado de “ditador” e o
acusou de censurar parlamentares.
“Foi
inteligente da parte de Bolsonaro deixar que as críticas ficassem com Malafaia.
Ele acabou usando uma figura que tem um escudo muito maior para ser a ‘ponta de
lança’, uma ‘tropa de choque’ verbal. Hoje em dia, a multiplicação de discursos
nas redes sociais conta muito”, disse Gomes.
Para
o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, a
manifestação na capital fluminense aparenta ter tido maior impacto
internacional do que a manifestação da Avenida Paulista.
“Penso
que a repercussão mundial [desta manifestação], aparentemente, é maior. Claro,
o fator diferencial foi o Elon Musk, que está sabendo chamar atenção para o
problema da censura que está acontecendo no país. Nesse contexto, o Brasil está
sendo apresentado como um local onde o mundo está debatendo a liberdade de
expressão”, disse Cerqueira.
No
X, a manifestação chegou a aparecer na lista de assuntos mais comentados e foi
difundida por influenciadores estrangeiros. Apesar de não compartilhar nenhuma
postagem sobre o ato, Musk curtiu diversas publicações contendo vídeos da
manifestação, mostrando assim que estava de olho no que se passava em
Copacabana.
Discurso
de Malafaia endossa pressão da oposição sobre STF : As críticas feitas por
Malafaia a Moraes também apontam que a oposição seguirá confrontando o ministro
apesar da movimentação do Supremo acerca do Twitter Files Brasil. Após a
repercussão do caso, Moraes chegou a ir ao Congresso para a apresentação do
anteprojeto do Código Civil e defendeu mais uma vez a regulação das redes
sociais no plenário do Senado. O gesto foi visto por congressistas e analistas
como uma reação às críticas feitas ao Supremo e uma tentativa de impor a visão
do STF sobre o assunto.
Para
o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, a
liberdade de expressão virou um tema central no debate público com as
revelações do Twitter Files, o que pode fortalecer a direita.
“A
escalada do STF e a liberdade de expressão têm sido temas centrais no debate
público nas últimas semanas. O sucesso das manifestações deste domingo
evidencia um STF cada vez mais distante do apelo popular e, paradoxalmente,
suas ações têm alimentado o fortalecimento da direita brasileira”, disse o
analista.
A
manifestação ocorre em um momento em que a oposição tenta emplacar uma Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o abuso de autoridades de membros do judiciário,
a "CPI da Lava Toga". Nos bastidores, o presidente da Câmara Arthur
Lira (PP-AL) teria sinalizado que daria andamento à proposta, mas a reunião com
Moraes, ocorrida na quarta-feira (17), teria dissuadido o deputado de avançar
com a instalação do colegiado.
Manifestação
tem mais efeito simbólico do que prático: Apesar de mostrar força
política, a manifestação convocada por Bolsonaro pode ter pouco efeito prático
no combate às medidas do STF. O analista político Luan Sperandio, Diretor de
Operações do Ranking dos Políticos, cita o fato de o ministro Dias Toffoli ter
liberado para julgamento a ação que tenta derrubar o artigo 19 do Marco Civil
da Internet como exemplo de reação da Corte às pressões vindas de opositores.
O
artigo citado por Sperandio diz que redes sociais, sites e provedores de acesso
à internet só podem ser responsabilizados pelo conteúdo postado por terceiros
se nada fizerem depois de notificação judicial. Se o artigo for invalidado, as
empresas se verão forçadas a agir preventivamente para não sofrerem processos
com pedidos de indenização. Toffoli deu andamento ao julgamento no último dia
10 de abril, momento em que Musk realizava críticas ao Judiciário brasileiro.
“Simbolicamente,
os protestos impulsionados pelo Twitter Files são algo relevante, mas do ponto
de vista da política material, a repercussão do Twitter Files ensejou o STF a
pautar novamente o processo da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil,
uma derrota para quem hoje foi às ruas por este motivo”, disse o analista.