Fui apresentada ao Lago Paranoá há muitos e muitos
anos, logo que Brasília chegou pra mim. Um oásis em meio à poeira vermelha. Pra
quem vem do mar, um espelho d'água inventado demora a querer ser praia. Amei o
lago como quase tudo em Brasília, conhecendo primeiro de vista, de longe,
devagarinho, também pelo ofício de descobrir a capital como repórter. Fui me
acostumando à mansidão do cerrado e vendo a cidade crescer e o lago ser
habitado por lanchas, canoas, velas, jacaré e gente. Eu ainda meio distante.
Eis que veio o convite pra remar com outras pessoas,
outras idades, outras raízes, outras risadas também. A cada movimento, o corpo
agradecia e a mente se aquietava. Sempre fui do movimento, do sol, do calor, do
exercício. Acostumada a caminhar longas distâncias, com as pernas vencendo as
asas do quadrado, experimentei a sensação das braçadas, do ir e vir ritmado,
poesia pura ao som das águas do Paranoá.
Mais do que isso, vivi a sensação de trabalhar em
equipe. A canoa havaiana eleva nosso espírito, recarrega tudo, reorganiza a
mente. E, para mim, a atenção plena, a contagem e o grito HIP na hora de mudar
o remo de lado me traz pra vida, me ajuda a fugir da dispersão, estimula a
parte aeróbica, melhora a postura, reseta a memória.
No momento, a canoa é abrigo, vício e salvação. É como se o movimento do corpo, dos braços, aquietasse o da mente, sempre perversa com seus pensamentos flutuantes, que só causam mais ansiedade. Quando estou remando, com o céu esplendoroso de Brasília pairando por cima da cabeça, chega uma paz gostosa, um equilíbrio bom de sentir, uma sintonia fina com a natureza e com os companheiros de remada.
Trazer as emoções para o corpo é um aprendizado contínuo. Vencer a preguiça, colocar-se como prioridade na rotina, lembrar da hora boa que mata o cansaço da semana. O remo ativa o modo turbo de energia que perdura. Tem sido bom. Para o corpo, para a saúde mental, para acalentar o juízo e as saudades daqueles tão importantes amigos que perdi neste ano.
Remo para não chorar. De água salgada, o mar me basta. Abraço o lago como mais um amigo generoso, que me rende de novo a sensação de pertencimento a essa forasteira que adotou Brasília, que me diz quase em segredo: a vida continua e é bela; Deus existe e o universo é um presente divino para quem sabe ver e sentir.