Para o conhecimento das novas gerações eis aqui trechos do
discurso do presidente da República Juscelino Kubitschek, feito há 64 anos, na
noite do dia 21 de abril de 1960, durante o ato oficial que inaugurava,
comentado pela coluna. Depois de 3 anos de intensa construção, a capital de
todos os brasileiros, hoje patrimônio cultural da humanidade, era finalmente
entregue ao povo. Trata-se do mais importante documento acerca desse feito
histórico.
“Não me é possível traduzir em palavras o que
sinto e o que penso nesta hora, a mais importante de minha vida de homem
público. A magnitude desta solenidade há de contrastar por certo com o tom
simples de que se reveste a minha oração. Dirigindo-me a todos os meus
concidadãos, de todas as condições sociais, de todos os graus de cultura, que,
dos mais longínquos rincões da Pátria, voltais os olhos para a mais nova das
cidades que o Governo vos entrega, quero deixar que apenas fale o coração do
Vosso Presidente”. Aqui, mais do que nos trechos de cunho
político, a fala do então presidente, como era de seu perfil humano e sensível,
deixa expresso toda a sua emoção com a realização da mais gigantesca obra já
realizada por mandatário em toda a história do país.
“Não vos preciso recordar, nem quero fazê-lo
agora, o mundo de obstáculos que se afiguravam insuportáveis para que o meu
Governo concretizasse a vontade do povo, expressa através de sucessivas
constituições, de transferir a Capital para este planalto interior, centro
geográfico do País, deserto ainda há poucas dezenas de meses.” Nesse
ponto, o presidente, a quem o povo apelidou simplesmente de JK, deixa escapar,
em resumo, os diversos obstáculos políticos e de toda a ordem que teve que
enfrentar para construir Brasília. “Não nos voltemos para o
passado, que se ofusca ante esta profusa radiação de luz que outra aurora
derrama sobre a nossa Pátria”. Ele deixa claro que, mesmo esses
obstáculos, que se faziam intransponíveis e quase lhe custaram o mandato,
tornavam-se ínfimos diante da realização de tão monumental obra.
“Quando aqui chegamos, havia na grande
extensão deserta apenas o silêncio e o mistério da natureza inviolada. No
sertão bruto iam-se multiplicando os momentos felizes em que percebíamos tomar
formas e erguer-se pôr fim a jovem Cidade. Vós todos, aqui presentes, a estais
vendo, agora, estais pisando as suas ruas, contemplando os seus belos
edifícios, respirando o seu ar, sentindo o sangue da vida em suas artérias.” Inúmeras
vezes JK, deixa o Rio de Janeiro, então capital, e voava à noite para Brasília,
então um Cerrado imenso, até então intocado pelo homem, apenas para contemplar
as primeiras construções que se erguiam solitárias nesse descampado.
“Somente
me abalancei a construí-la quando de mim se apoderou a convicção de sua
exequibilidade por um povo amadurecido para ocupar e valorizar
plenamente no território que a Providência Divina lhe reservara. Nosso parque
industrial e nossos quadros técnicos apresentavam condições e para traduzir no
betume, no cimento e no aço as concepções arrojadas da arquitetura e do
planejamento urbanístico modernos.” Nesse parágrafo, JK deixa claro que a
convicção para erguer a capital veio quando ele se certificou que já havia
condição estratégica e toda uma infraestrutura nacional para dar início a tão
ousada empreitada.
“Surgira uma geração excepcional, capaz de
conceber e executar aquela “arquitetura em escala maior, a que cria cidades e,
não, edifícios”, como observou um visitante ilustre. Por maior que fosse, no
entanto, a tentação de oferecer oportunidade única a esse grupo magnífico, em
que se destacam Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, não teria ela bastado para
decidir-me a levar adiante, com determinação inflexível, obra de tamanha
envergadura”
Obviamente
que para levar adiante tamanho desafio, foi fundamental contar com a
colaboração de homens excepcionais, dotados também de inteligência e força de
vontade. Mais do que cimento e aço, a presença desses homens, entusiasmados
como ele, foi fundamental para tal desafio.
“Pesou, sobretudo, em meu ânimo, a certeza de
que era chegado o momento de estabelecer o equilíbrio do País, promover o seu
progresso harmônico, prevenir o perigo de uma excessiva desigualdade no
desenvolvimento das diversas regiões brasileiras, forçando o ritmo de nossa
interiorização. No programa de metas do meu Governo, a construção da nova
Capital representou o estabelecimento de um núcleo, em torno do qual se vão
processar inúmeras realizações outras, que ninguém negará fecundas em
consequências benéficas para a unidade e a prosperidade do País.” Com
essas palavras, é visível o elemento que caracteriza o homem público e
estadista, que é a visão do futuro e a faculdade de pensar no amanhã do país,
colocando um ponto final no histórico abandono do interior do Brasil.
“Viramos no dia de hoje uma página da
História do Brasil. Prestigiado, desde o primeiro instante, pelas duas Câmaras
do Congresso Nacional e amparado pela opinião pública, através de incontável
número de manifestações de apoio, sinceras e autenticamente patrióticas, dos
brasileiros de todas as camadas sociais que me acolhiam nos pontos mais
diversos do território nacional, damos por cumprido o nosso dever mais ousado;
o mais dramático dever. Só nos que não conheciam diretamente os problemas do
nosso Hinterland percebemos, a princípio, dúvida, indecisão.” Nesse
ponto do discurso, JK deixa claro que a construção da nova capital marcaria,
doravante, uma nova e definitiva etapa na história do Brasil. Uma etapa, como
ele afirma, ousada e, ao mesmo tempo, dramática, tamanho era esse desafio.
“Mas no País inteiro sentimos raiar a grande
esperança, a companheira constante em toda esta viagem que hoje concluímos; ela
amparou-nos a todos, a mim e a essa esplêndida legião que vai desde Israel
Pinheiro, cujo nome estará perenemente ligado a este cometimento, até ao mais
obscuro, ao mais ignorado desses trabalhadores infatigáveis que tornaram
possível o milagre de Brasília.” Mais uma vez, são mencionados a força e o
entusiasmo das pessoas que cercaram JK nesse projeto. Sem esse mutirão humano e
cheio de esperança, nada seria possível.
“Em todos
os instantes nas decepções e nos entusiasmos, levantando o nosso ânimo e
multiplicando as nossas forças, mais de que qualquer outro amparo ou guia, foi
a Esperança valimento nosso. Um homem, cujos olhos morreram e ressuscitaram
muitas vezes na contemplação da grandeza – aludo, novamente, a André Malraux –
viu em Brasília a Capital da Esperança. Seu dom de perceber o sentido das
coisas e de encontrar a expressão justa fê-lo sintetizar o que nos trouxe até
aqui, o que nos deu coragem para a dura travessia, que foi a substância, a
matéria-prima espiritual desta jornada. Olhai agora para a Capital da Esperança
do Brasil.” O antigo e saudoso presidente alude ao poder mágico e
invisível da esperança. Esse sentimento nobre deixou-se
transparecer na própria cidade que nascia. Brasília
capital da esperança e o Hino à Brasília, que veio mais tarde pelas mãos de
Neusa França, eram as músicas mais cantadas diariamente nas rádios da cidade
nos primeiros anos de Brasília. Havia, naqueles anos cinquenta e sessenta, uma
espécie de esperança no ar, de que o Brasil acordaria de seu sono profundo e
seguiria rumo ao futuro. André Malraux (1901-1976) foi um escritor e ministro
de assuntos culturais francês, doutor honoris causa pela USP e criador dos
centros culturais. Ao visitar Brasília, deu-lhe o título de Capital da
Esperança.
“Ela foi fundada, esta cidade, porque
sabíamos estar forjada em nós a resolução de não mais conter o Brasil
civilizado numa fímbria ao longo do oceano, de não mais vivermos esquecidos da
existência de todo um mundo deserto, a reclamar posse e conquista.” A
crítica histórica de que os brasileiros não davam a devida importância ao
interior do país, limitando-se a imitar os caranguejos que não vão muito além
das praias, limitando-se a arranhar as costas do Brasil.
“Esta cidade, recém-nascida, já se enraizou
na alma dos brasileiros; já elevou o prestígio nacional em todos os
continentes; já vem sendo apontada como demonstração pujante da nossa vontade
de progresso, como índice do alto grau de nossa civilização; já a envolve a
certeza de uma época de maior dinamismo, de maior dedicação ao trabalho e à
Pátria, despertada, enfim, para o seu irresistível destino de criação e de
força construtiva.” JK, como todo estadista de seu porte,
tinha a clara visão de que a construção da nova capital no interior do país
iria chamar a atenção de todo o mundo para as potencialidades e capacidades do
povo brasileiro, despertando o país para um novo destino de crescimento e
progresso.