Certa
noite, ao tocar em um sarau no Lago Norte, em determinado momento da madrugada,
Jacob do Bandolim chamou o médico e amigo Arnoldo Velloso e disse, aflito,
suando frio: ;Precisamos ir embora, pois a dona da casa é casada, mas está com
as malas prontas me convidando para fugir com ela. O que eu faço?;. As
apresentações do bandolinista despertavam o entusiasmo e, algumas vezes,
despedaçavam corações femininos. Quando Jacob morreu, cinco mulheres tiveram
que se submeter à sonoterapia, garante Velloso.
Se nos ativermos apenas ao tempo das folhinhas do calendário, a passagem de
Jacob por Brasília só mereceria uma menção de relance ou uma nota de pé de
página na história da música candanga. No entanto, se levarmos em conta o
depoimento dos que tocaram, assistiram e conviveram com Jacob chegaremos à
conclusão de que a sua liderança e generosidade foram cruciais na consolidação
de Brasília como centro de renascimento do choro no país.
A trajetória de Jacob do Bandolim se entrelaçou com a história da música de Brasília
da maneira mais desconcertante. Em 1967, dois amigos brasilienses, o médico
Arnoldo Velloso e o advogado Francisco de Assis, apelidado de Six pelo fato de
ter seis dedos em cada mão, se dirigiram à casa de Jacob, em Jacarapeguá, no
Rio de Janeiro. Eram fãs e esperavam se divertir nas famosas rodas de choro com
a participação de uma constelação de nomes da música popular, que ia de
Pixinguinha a Clementina de Jesus, de Canhoto a Paulinho da Viola. A informação
que receberam da mulher de Jacob não foi das mais alentadoras. Ele estava
prostrado em uma cama havia quatro meses, com um sério problema na coluna.
Six era gaiato e se apresentou com as credenciais de ;ginecologista;. Velloso,
de fato, era médico, com formação na Alemanha, onde aprendeu a técnica da
terapia neural. Com a ajuda de Six, realizou aplicações no paciente. Para
surpresa de todos, o tratamento deu certo. Jacob se levantou, no dia seguinte,
pegou o bandolim, começou a tocar e tudo fluiu em ritmo de chorinho. Chamou
Elizeth Cardoso, o grupo Época de Ouro ; que o acompanhava ; foi convocado e
brindaram o restabelecimento do mestre com música da melhor qualidade.
Entusiasmado, decidiu continuar o tratamento em Brasília, onde morou durante
seis meses, na Chácara Estrela Dalva, de propriedade de Velloso, paraibano de
Mamanguape.
Quando Jacob chegou a Brasília, já encontrou um grupo de chorões, que se reunia
na casa de Raimundo Brito, sob a liderança de Avena de Castro. Em homenagem aos
saraus, Avena compôs o choro Sábado à tarde; e, de sua parte, Jacob lhe dedicou
a peça Pra você, com a seguinte dedicatória: ;Para o meu melhor intérprete;.
Jacob estimulou todos os amigos a tocar. A sua presença vibrante e exigente foi
crucial para impulsionar o primeiro núcleo organizado de choro no Planalto
Central.
Nas sessões dos chamados Sábado à tarde, participavam uma série de
instrumentistas que eram funcionários públicos cariocas transferidos para
Brasília. Além de Avena, compareciam: o anfitrião Raimundo Brito (cavaquinho);
Arnoldo Velloso (bandolim); Manuel Vasconcelos (pandeiro); Edgardo de Almeida
(violão); Jorge da Fonseca (flauta); e Francisco de Assis, o Six (cavaquinho).
A escritora Ana Miranda e a compositora Marlui Miranda assistiram a muitas
reuniões do Sábado à tarde, com os amigos arquitetos Luis Maçal e Cydno da
Siliveira: ;Essa história foi fundamental para o choro ter essa força que tem
hoje em Brasília;, escreveu Ana Miranda na crônica ;O meu amor chorou II;,
publicada no Correio, em 2005: ;Ali, com mais algumas coincidências, houve um
renascimento do gênero musical.;
Jacob só morou durante seis meses na cidade, mas, mesmo depois de retornar ao
Rio, o contato com a turma de Brasília permaneceu intenso, de 1957 a 1969, até
a sua morte. Sempre era visitado no Rio ou voltava à cidade para participar de
saraus no apartamento de Raimundo Brito. Jacob compôs várias peças para
homenagear os amigos brasilienses.
Marlui Miranda evoca as reuniões do sábado à tarde com a presença de Jacob do
Bandolim como encontros com alta espiritualidade, como se os participantes
entrassem em uma missa. Se alguém ousasse a heresia de tossir, era expulso sem
piedade. Só podia respirar baixinho, pois Jacob virava uma fera. Marlui não tem
dúvidas de que esse legado convergiu para o fortalecimento da tradição do choro
em Brasília e, mais tarde, para a criação do Clube do Choro. Jacob do Bandolim
está no sangue dos chorões brasilienses.
Músicas compostas por Jacob em Brasília (;) De coração a coração (;) Valsa dedicadas a seu médico cardiologista em Brasília, doutor Luciano Vieira
(;) Estímulo número 1 (;) Estudo composto para o doutor Arnoldo
Velloso, seu médico e amigo em Brasília (;) La Duchese ; Valsa
composta em dezembro de 1967 e dedicada à sogra do doutor Arnoldo
Velloso ; No jardim ; Mazurca (;) Pra você ; Choro
dedicado a Avena de Castro (;) Ternura ; Choro composto na casa do
doutor Arnoldo Velloso e dedicado a ele e à esposa.
Jacob
do Bandolim contribuiu para que o renascimento do choro em Brasília. Embora só
tenha morado durante seis meses na cidade, o músico ajudou a trazer o título de
"capital do renascimento do choro"
Severino
Francisco – Correio Braziliense