O
cidadão Hélio Marcos Beltrão, que nasceu em 15 de outubro de 1916, e morreu em
20 de outubro de 1997, aos 81 anos, talvez tenha sido a única autoridade
brasileira do século a se interessar, de fato e com argumentos, a lutar e se
empenhar em acabar, ou diminuir, a massacrante burocracia que assola o país,
quase como uma doença sem cura. Beltrão — homem moderno, de mente brilhante e
sempre à frente de seu tempo enquanto cidadão — foi o brasileiro que se atreveu
a criar e dar asas ao extinto Ministério da Desburocratização, órgão criado
ainda no governo militar de Costa e Silva e no de Figueiredo. Ministério,
aliás, que se perdeu por aí, e nem os burocratas sabem explicar porque ele
acabou, ou se um dia existiu.
Enquanto
atuou, o ministério de Beltrão enxugou pastas, rasgou centenas de fichas que
registravam coisa nenhuma e sinalizou para os brasileiros que inúmeras filas
seriam, e foram, diminuídas ou extintas. Pena, muita pena mesmo, que o
ministério teve vida tão curta, deixou poucos seguidores. Nenhum governo
brasileiro, depois da passagem de Beltrão por ele, se preocupou em aprimorar o
que foi iniciado por Beltrão. Ao contrário, em muitos casos, desmantelou o que
ele fez. Vale ressaltar aqui alguns itens onde a burocracia atua altaneira e
soberana, sem risco algum de ser molestada por quem quer que seja, e todos
eles, de alguma forma, prestigiados pelo governo. Leia-se, funcionários
públicos, principalmente.
Em
Brasília, capital da República, talvez esteja instalada e funcionando a maior
concentração de burocratas do país. Há quem diga, em tom jocoso, que o ninho
dos burocratas tem caixa postal, CPF e demais ingredientes sediados no DF.
Alguns exemplos de fato estão vivos na memória dos brasilienses, 24 horas por
dia. Se não, vejamos. Só pode ser excesso de burocracia o fato de que todas as
escadas rolantes da Rodoviária de Brasília, desde que existem, nunca
funcionaram como deveriam funcionar, fato que resvala no desrespeito ao cidadão
e é um atestado de péssima gestão de quem deveria cuidar do problema. Para a
mídia e o cidadão, quando perguntam aos responsáveis o que acontece, a resposta
é sempre a mesma: Tudo está sob controle, estamos aguardando uma peça e, em
breve, tudo voltará ao normal.
Normal
que nunca existe, porque a burocracia impede a compra dessa peça, a licitação
não foi feita porque faltou um documento, e esse documento depende de uma
liberação de um funcionário que está de férias. Isso se chama burocracia
pública, aliada ao desprezo e desinteresse em atender aos anseios da
comunidade. O governo libera e autoriza que condomínios de toda ordem se
instalem na cidade, e sejam regularizados, em qualquer ponto. O cidadão compra
um lote, constrói uma residência e, ali, instala sua família. Depois, esse
mesmo cidadão precisa de um Habite-se para tornar sua moradia legal e pronta a
ser por ele ocupada, ou até para ser negociada. Esse mesmo governo que
autorizou a vida do condomínio e a construção da casa, para providenciar esse
Habite-se ao morador, exige de sete a oito documentos, cobra taxas elevadas,
obriga o cidadão a fazer mudanças estruturais e a esperar de três a quatro
meses para que esse documento seja liberado. Absurdo e má gestão. Por que
não emitir o Habite-se no momento em que o cidadão ocupa o imóvel, que é dele,
que ele construiu? Ou então, por que não ser ágil e eficiente na emissão desses
documentos, quase todos eles sem nenhuma importância para a comunidade? Isto se
chama burocracia burra, que está longe de ser extinta. Até porque, certamente,
exigirá taxas que obriguem o cidadão a engordar a barriga faminta da receita.
Hoje,
com a internet cada vez mais atuante e a inteligência artificial dominando o
mundo, aceitar os entraves criados pela burocracia é revoltante. Está na mídia,
em todos jornais, rádios e tevê, o drama das famílias que perderam tudo com os
alagamentos no Sul, uma tragédia imensa. Pois bem, mesmo diante desse quadro
assustador e interminável, os sinais da burocracia aparecem, fincam raízes e
dificultam as ações daqueles que querem e sabem trabalhar. O próprio governo,
que comanda essas ações, devido à burocracia criada por ele mesmo, impede o
sucesso esperado por todos. Projetos que duram meses para serem desenhados,
documentos que atrasam o socorro. Discriminam pessoas e criam barreiras que
seriam facilmente superadas não fossem as ações desse exército do "mais
fácil complicar do que simplificar".
O
governo federal e os estaduais deveriam falar menos e agir mais, exigindo
medidas práticas e objetivas, sem que isso seja considerado ameaça aos
segmentos que a lei exige. Desburocratizar deveria ser matéria nos bancos
escolares, doutrinando, desde cedo, o combate a práticas ultrapassadas que
atrasam o país e impedem e punem a criatividade daqueles que sabem fazer
o que precisa ser feito, economizando tempo e dinheiro. Pena que, nos tempos de
hoje, principalmente no meio político e no funcionalismo público, é raro
aparecer personagens como Hélio Beltrão. E, se aparecer, sem burocracia, vai
aparecer alguém da escala pública para deletá-lo. Preste atenção nisso.