Os
pedidos de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são apenas algumas das pautas que
acabaram sendo engavetadas pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao longo desta
legislatura. Outros projetos da oposição também tiveram destino similar.
Um
exemplo é a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões
monocráticas de ministros do STF. O texto foi aprovado no Senado no ano
passado, mas a tramitação travou quando passou para a Câmara. Passado mais de
meio ano, Lira ainda não distribuiu a PEC para andamento nas comissões.
"Aguardando Despacho do Presidente da Câmara dos Deputados", sinaliza
a página da proposta no site da Casa.
A
limitação dos poderes do STF é uma demanda frequente de políticos,
especialmente de direita, que acreditam que o Judiciário tem extrapolado suas
funções ao se intrometer em temas que deveriam ser tratados pelo Congresso
Nacional. A recente descriminalização do porte de maconha para usuários pelo
Supremo e as divergências em relação ao aborto e ao marco temporal para
demarcação de terras indígenas colocam os dois poderes em lados opostos.
A
proposta que está parada na Câmara (PEC 8/2021), de autoria do senador
Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), veda decisões individuais que suspendam
eficácia de leis ou atos administrativos dos presidentes da República, do
Senado e da Câmara.
O
Senado está trabalhando para avançar com outra pauta sobre o STF: a fixação de
mandatos de oito anos para os ministros da Corte, que atualmente têm cargos
vitalícios e se aposentam compulsoriamente aos 75 anos. Mas a relatora da
proposta no Senado, Tereza Cristina (PP-MS), que garantiu a apreciação da
proposta no plenário da Câmara Alta ainda neste ano, já deu o recado: "Se
[a PEC] vai parar na Câmara, eu não sei".
Embora
as pautas que limitam os poderes do STF estejam andando no Senado, Pacheco
também tem usado seu poder de presidente para atrasar a tramitação de
propostas.
No
ano passado, ele "barrou" a minirreforma eleitoral aprovada a toque
de caixa por um grupo de trabalho da Câmara, para que pudesse valer ainda para
as eleições de outubro de 2024. O presidente do Senado alegou que preferia
discutir mudanças mais abrangentes no sistema, e já englobadas pelo Código
Eleitoral que tramita naquela Casa, e que também ainda não foi aprovado.
Para
a oposição, porém, o que mais incomoda é o engavetamento dos pedidos de
impeachment dos ministros do STF, que Pacheco já demonstrou que não dará
seguimento – ele tem a prerrogativa de arquivar ou dar encaminhamento a esses
pedidos. Parlamentares da direita questionam a atuação dos magistrados,
especialmente nos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes sobre fake news
e milícias digitais e os julgamentos de centenas de réus dos atos de 8 de
janeiro.
Em
2023, foram 11 pedidos de impeachment apresentados, a maioria contra Moraes,
mas também havia pedidos contra Barroso e outros. Em 2024, já houve um pedido
de afastamento do ministro Flávio Dino, sob a alegação de que ele teria
cometido crime ao beneficiar o partido pelo qual foi eleito senador pelo
Maranhão, o PSB, em um processo que tramita no STF.
Lira
travou CPIs em 2024 e não levou adiante pedidos de impeachment contra
Lula: O presidente da Câmara dos Deputados possui um papel crucial na
definição da pauta legislativa e na condução dos trabalhos no Plenário. Lira
tem a prerrogativa de pautar temas, decidir sobre pedidos de impeachment do
presidente da República e encaminhar decisões de Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPIs) aos órgãos competentes.
Há
quase duas dezenas de pedidos de impeachment contra Lula, mas nenhum seguiu
adiante no Congresso. Entre os motivos estão suas declarações hostis a Israel
(quando comparou a luta contra o terrorismo com o Holocausto) e por uma
projeção de benefícios previdenciários que poderiam ser interpretados como uma
"pedalada fiscal".
Lira
também tem o poder de decidir sobre as instalações de CPIs na Câmara e, neste
ano, apesar de ter várias na fila, ele decidiu não instalar nenhuma no primeiro
semestre de 2024.
A
oposição tinha expectativas, no começo do ano, de que o presidente da Câmara
autorizasse a instalação de um colegiado que investigasse denúncias de abusos
nas decisões do Supremo Tribunal Federal. O pedido de abertura da CPI do Abuso
de Autoridade foi apresentado no ano passado pelo deputado Marcel van Hattem
(Novo-RS), após alcançar o apoio mínimo de 171 deputados, previsto no regimento
interno da Câmara.
O
líder da oposição na Câmara, Filipe Barros (PL-PR), disse que vinha conversando
com Lira, mas sem sucesso até agora. Ele ressalta, porém, que o mais importante
é ter maioria nesta CPI, se ela for criada. Isso evitaria uma derrota da
oposição como observado na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8
de Janeiro, no ano passado, em que o relatório final aprovado favoreceu o
governo.
Mas
a instalação de CPIs em ano eleitoral, após o recesso do meio do ano, é
pouquíssimo provável, avaliam interlocutores de Lira. Além de ele não ter
interesse em "bater de frente" com o Judiciário, o tempo é curto. Os
parlamentares terão duas semanas apenas de trabalho em agosto e uma em
setembro, antes do pleito de outubro.
Outras
CPIs também não foram instaladas, como a CPI para tratar de casos de tráfico
infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes, e a comissão para
investigar a distribuição de energia elétrica por empresas e contratos firmados
para instalação de termelétricas na Baía de Sepetiba, no litoral do Rio de
Janeiro.
Lira
aposta em grupos de trabalho e requerimentos de urgência: Como presidente da
Câmara, Lira também lidera as reuniões do colégio de líderes, onde são
discutidos os assuntos prioritários e que serão votados na semana. Essa
concentração de poderes confere a ele grande influência sobre quais matérias
avançam ou ficam paralisadas.
Lira
tem usado com frequência a instalação de Grupos de Trabalho (GT’s), no lugar da
tramitação via comissões, e a votação de requerimentos de urgência, que levam
os projetos direto para o plenário. Apenas neste ano, 32 requerimentos de
urgência foram colocados em votação no plenário da Casa.
Esse
instrumento foi usado, por exemplo, para levar ao plenário o projeto de lei de
regulamentação das redes sociais (chamado de PL das Fake News ou PL da Censura)
e a proposta que igualava a prática do aborto após 22 semanas ao crime de
homicídio. Ambos tiveram a urgência aprovada, mas acabaram não sendo votados
devido à repercussão negativa na sociedade.
Por
outro lado, Lira não tem atendido aos pedidos dos deputados da oposição para
levar a plenário a PEC que acaba com o foro privilegiado de cerca de 50 mil
autoridades para crimes comuns. Trata-se de uma demanda antiga da direita, que
foi aprovada no Senado em 2017, restando apenas a votação no plenário da
Câmara. Deputados da oposição pediram a inclusão da PEC na pauta do plenário ao
menos cinco vezes neste ano, sem sucesso.
Algumas
das iniciativas da oposição, mais notadamente as CPIs, acabaram ficando em
segundo plano pelo desejo de Lira de aprovar a regulamentação da reforma
tributária, garantindo que ela seja a marca do seu mandato, que demonstra sua
capacidade de articulação de uma proposta que transitava pelo Congresso há
décadas.
“O
presidente da Câmara foi ganhando empoderamento nesses últimos anos,
principalmente porque o orçamento federal agora passa mais pela Câmara. Quando
a gente pensa em termos de Congresso Nacional, apesar de o presidente do
Congresso ser o presidente do Senado, quem de fato tem mais força, hoje, é o
presidente da Câmara dos Deputados”, avalia o cientista político Adriano
Cerqueira.
As
vitórias angariadas pela oposição no Congresso são fruto de intensa negociação
com o Centrão e os presidentes das Casas Legislativas. A última sessão conjunta
do Congresso Nacional evidenciou que a vontade política dos presidentes é o que
determina o sucesso da agenda oposicionista.
Em
29 de maio, a oposição teve êxito ao derrubar o veto de Lula a um trecho da lei
que colocava fim às saídas temporárias de presos. Foram 314 votos pela
derrubada, 126 pela manutenção e duas abstenções. No Senado, foram 52 a favor,
11 contrários e uma abstenção.
Outra
vitória importante foi a manutenção do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) à tipificação de crimes contra o Estado Democrático de Direito, entre os
quais constava a criminalização das fake news nas eleições.
Ao
Avaliar o cenário, o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), afirmou que a diferença de representação entre Câmara
e Senado é um elemento que explica os tipos de interesses que cada presidente
defende ao dar andamento a determinadas pautas.
“São
dois homens muito poderosos, mas que têm que representar interesses muito
diferentes. A Câmara dos Deputados pensa mais em aportar recursos para as
clientelas nos seus estados de origem. Já o Senado pensa mais em questões
nacionais, da federação, ou de questões específicas dos estados que eles
representam. Então nem sempre eles têm os mesmos interesses",
explicou Gomes.
Os
poderes conferidos aos presidentes das Casas Legislativas também têm menor
chance de contestação, já que eles não podem sofrer processo de impeachment.
Para perder o mandato, eles precisam passar pelas etapas que envolvem a
cassação do mandato parlamentar.
Foi
o que aconteceu com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, denunciado pela
Operação Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção no Brasil. Cunha
acabou perdendo o cargo por mentir aos colegas sobre possuir conta bancária na
Suíça, o que foi interpretado como conduta não condizente com o decoro
parlamentar.