Os
registros clássicos de viagens e de momentos da vida em cartões-postais se
tornam cada vez mais raros com a facilidade de compartilhar informações pelas
redes e pelos apps. Mas o termo segue com o seu valor e Brasília é uma campeã
em proporcionar momentos "cartão-postal". Aquela atmosfera de cidade
de interior que se formou nos anos iniciais da cidade deixou lembranças
afetivas que afloram a cada vez que um local muito visitado no passado é visto
em fotos ou revisitado pessoalmente.
O
lago no Parque da Cidade, o parquinho do foguete, a Catedral, o Paranoá, para
citar alguns dos pontos emblemáticos que dispensam apresentações. Somam-se a
esses endereços as inúmeras brincadeiras nos pilotis, os campos de terra
vermelha de soltar pipa ou jogar futebol. Guardadas as características de cada
família que se mudou para cá naqueles anos 1960, ou mesmo um pouco antes ou
depois disso, parece ser unanimidade entre os pioneiros que Brasília constituiu
de fato uma terra de oportunidades e, em consequência, de registros de
lembranças duradouras. "Tá vendo aquele edifício, moço"... O verso da
canção de Zé Ramalho cai como uma luva para os veteranos que passeiam pela
cidade. Muitos dos nossos pais e avós podem dizer que ajudaram a levantar Brasília.
O
desafio das novas gerações é manter e criar vínculos com essa terra de barro
vermelho que tanto irrita, assusta e ao mesmo tempo encanta na temporada de
seca. Parece que fomos jogados em uma daquelas máquinas bem eficientes
multifunções: desidrata, esquenta, esfria, esfria e esquenta e desidrata mais
um pouquinho. Saímos prontinhos para sermos servidos ao ponto nos banquetes
para a realeza.
Brincadeiras
à parte — apesar de o castigo da secura ser real — esses mesmos pontos à la
cartão-postal constituem o memorial de referências para levar a família e
construir lembranças eternizáveis. Ao som de jazz ou batuque no Parque da
Cidade, por exemplo, ou nos velhos e nos novos points criados por
empreendedores corajosos que persistem na tarefa de entregar gastronomia, arte
e cultura com diversidade pela capital.
Uma
biblioteca inteira de fotografias da minha infância está montada nas
prateleiras aqui de casa — aliás, desde a última organização coloquei tudo em
gavetas, com a altura ideal para receber cada álbum e deixá-los acessíveis, uma
dica que roubei da prima arquiteta. A tradição, no entanto, está enterrada há
alguns anos, embaixo de uma montanha de milhares de arquivos digitais nunca
impressos para um registro mais adequado.
Acabamos
criando uma nova tradição, que é compartilhar álbuns digitais e nos reunir para
assistir as fotos pela tevê logo após um evento mais marcante e comentar como
foi aquela experiência, mostrar a quem não estava lá e explicar em quais
circunstâncias cada imagem foi feita. Mas isso ainda é insuficiente. Minha
próxima meta "paro ano", como diria minha família nordestina, é
selecionar e colocar no papel essas imagens todas, para fincar de vez na nossa
história esses momentos de afeto.