Não era necessário que viessem a público as mensagens
e áudios trocados por assessores do ministro Alexandre de Moraes no STF e no
TSE – mostrando como a perseguição a críticos das cortes era montada, com
decisões tomadas de antemão e pedidos de caça por elementos que as
justificassem – para saber que um dos principais efeitos dos inquéritos
abusivos conduzidos por Moraes nos últimos cinco anos foi a instauração de um
clima de medo na sociedade. Se qualquer crítica mais forte às instituições se
torna motivo para uma visita da Polícia Federal ou para um banimento das mídias
sociais, inclusive tirando o ganha-pão daqueles que têm na palavra ou na
opinião sua fonte de sustento, o resultado natural é uma contenção, a
autocensura.
Um aspecto realmente extraordinário – e não usamos
aqui a palavra na sua conotação mais positiva – desse processo é que ele se deu
de forma gradual e aceita por parcela significativa da nação, o que inclui a
imprensa, formadores de opinião e entidades da sociedade civil organizada.
Ocasionalmente ocorriam alguns protestos isolados diante de episódios mais
grotescos, como a censura da revista Crusoé, ainda nos primórdios do inquérito
das fake news, mas de resto, com a exceção de algumas vozes isoladas, incluindo
a desta Gazeta do Povo, o arbítrio foi se espalhando sem grandes contestações,
em grande parte devido à ideia de que certas medidas eram necessárias para se
conter um grupo tido como “antidemocrático”.
Os autênticos democratas têm o dever, neste momento,
de romper a espiral do medo e denunciar o sistema abusivo instalado no STF e no
TSE com fins de perseguição política pura e simples
Agora todos sabem, ou deviam saber, o que alguns já
percebiam havia muito: os antidemocráticos, na verdade, eram outros, os que
perseguiam, os que censuravam, os que subvertiam o devido processo legal. E o
chacoalhão provocado pelas reportagens da Folha de S.Paulo precisa levar a uma
reação forte dos democratas. Não falamos dos democratas de fachada, aqueles que
têm o termo “democracia” na ponta da língua e o usam a torto e a direito
enquanto apoiam entusiasticamente a perseguição aos adversários políticos;
falamos dos verdadeiros democratas, aqueles comprometidos com as liberdades e
garantias constitucionais, com o império da lei, com o devido processo legal,
com a ampla defesa – para todos.
Se dias atrás nos referimos especialmente aos que têm
poder e não o usam, hoje tratamos daqueles que têm voz, e que precisam se fazer
ouvir. Os autênticos democratas têm o dever, neste momento, de romper a espiral
do medo e denunciar o sistema abusivo instalado no STF e no TSE com fins de
perseguição política pura e simples. Formadores de opinião, lideranças de todos
os setores e entidades de classe, especialmente aquelas com histórico de
décadas em defesa da democracia, precisam estar na linha de frente do esforço
pela recuperação do pleno sentido das liberdades e garantias constitucionais,
especialmente da liberdade de expressão, a mais agredida pelo modus operandi
que abasteceu os inquéritos dos últimos anos.
E não basta, aqui, pedir simplesmente o fim desses
inquéritos. Ainda que eles sejam fechados, nada garante que não surjam outros
semelhantes, mais cedo ou mais tarde – isso já ocorreu em 2021, quando Moraes
encerrou o inquérito dos “atos antidemocráticos” e, ato contínuo, abriu o das
“milícias digitais”. É preciso denunciar e se opor a toda a mentalidade que
tornou possível essa distopia brasileira: a confusão total entre fake news e
opinião, a criminalização de críticas mais contundentes, a invenção de “crimes
de opinião” e “crimes de cogitação”, a legitimação da censura prévia por meio
da suspensão total de perfis. Em resumo, recuperar o verdadeiro sentido da
liberdade de expressão para que o Brasil supere o “apagão” em curso desde 2019.
Nada disso ocorrerá, no entanto, sem pressão forte da
opinião pública. Ninguém mais pode alegar ignorância a respeito de tudo o que
vem sendo feito desde 2019. Não é preciso simpatizar com os alvos da
perseguição de Moraes para perceber que os métodos empregados e a doutrina e a
jurisprudência construídas por STF e TSE são profundamente antidemocráticos, e
por isso o silêncio deixou de ser uma alternativa razoável para quem realmente
se compromete com a defesa da democracia e das liberdades no Brasil. Calar,
agora, é aceitar.