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Esqueça os bandidos de verdade

Esqueça os bandidos de verdade

Dependendo do lado em que está, você pode chamar seus adversários políticos do que quiser: nazistas, fascistas, golpistas, terroristas, genocidas, demônios, selvagens, imbecis, cretinos... E gente assim tão horrível pode e deve ser extirpada, eliminada. Vale tudo: cancelar passaporte, bloquear contas bancárias, banir redes sociais, inventar inquéritos alucinados, mandar às favas o devido processo legal, o ordenamento jurídico, impedir o trabalho da defesa... A perseguição é do bem, as prisões são necessárias. Se nada disso funcionar, e os “criminosos” escolhidos a dedo persistirem, insistirem, talvez sejam aceitos tapas na cara, empurrões, chutes, cadeirada, facada, tiro...

Dependendo do lado em que está, você jamais será considerado um radical, um extremista. Você será ungido pelos santos, por Deus, ou será o Deus em pessoa. Seu grupo poderá desrespeitar todas as leis e garantias constitucionais, partir para abusos, arbítrios, e nunca, nunca, será considerado uma facção criminosa. Mesmo que alguns usem dinheiro dos pagadores de impostos para reformar pista de pouso e asfaltar estradas onde possuem fazendas, comprar móveis, tapetes, roupas de cama, mesa e banho caríssimos, fazer viagens luxuosas e inúteis. Dependendo do lado em que está, você pode liberar dinheiro para o município que contratar seu filho... Pode até cogitar um assédio sexual.

O cerco é contra os bandidos de mentirinha. As facções criminosas podem agir livres, leves e soltas. Liberam-se corruptos, traficantes, a eles devolvem seus bens apreendidos pela polícia

Virou um absurdo chamar de criminoso quem aumenta como nunca déficit e dívida, quem acaba com sigilo bancário, com sigilo telefônico, quem confisca dinheiro do povo... Dependendo do lado em que você está, pode também maquiar suas contas. Sim, você pode quase tudo: só observar o país em chamas, apoiar ditadores, tiranos, grupos terroristas. Pode dizer que a “guerra às drogas” foi perdida, que assassinato de bebês no ventre das mães é tudo de bom. Pode dividir a humanidade, e dividir, e dividir, afirmando que trabalha por algo que chama de “igualdade” e “respeito”.

Dependendo do lado em que está, você pode dizer que seus adversários políticos são a maior ameaça à estabilidade do Brasil. Pode dizer que a internet coloca em risco a democracia, em vez de ser um grande instrumento de resistência à ditadura que tomou o país. Assim, o cerco é contra os bandidos de mentirinha. As facções criminosas podem agir livres, leves e soltas. Liberam-se corruptos, traficantes, a eles devolvem seus bens apreendidos pela polícia. Quem está no poder não quer mesmo saber do combate ao crime de verdade.

Dependendo do lado em que está, você pode afirmar que o fundamental é acabar com a liberdade de expressão, que é assim que o Brasil ficará melhor... Então, a Polícia Federal parte com tudo para cima de quem, para acessar a rede social X, “burlou” as ordens ilegais de Alexandre de Moraes. Os condenados de antemão são aqueles que usam VPN. Neste momento, são eles os criminosos de alta periculosidade. O ministro do STF mandou monitorar “casos extremados” de uso da rede. E não queira entender o que é isso: “casos extremados”. Certamente, perfis de esquerda não serão incomodados, terão sempre absolvição. Aos outros, multa! Mesmo que o ordenamento jurídico só preveja essa punição por descumprimento de ordem judicial às partes do processo que tenham sido formalmente citadas.

É tudo para o bem do Brasil. O país terá sua redenção dessa forma estranha. A democracia não será mais ameaçada. Os bandidos reais deixaram de ser bandidos... Você pode concordar com tudo isso, com os poderosos, e ser cúmplice, e ser vítima (agora ou mais à frente). Você pode jurar que as facções criminosas de verdade não representam perigo algum. Só depende do lado em que está, se aceita o crime no poder, não reclama, não desperta... Se acha normal que aqueles que realmente trabalham pela salvação estejam sendo destruídos e aqueles que estão destruindo tudo se declarem os salvadores do país e de todos nós.


Luís Ernesto Lacombe – Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney – Gazeta do Povo




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