O vexame da imprensa após a eleição de
Donald Trump não tem data para acabar. Selecionamos a seguir os melhores
momentos (por enquanto) desse jornalismo desinibido, coreográfico e
comprometido com a verdade que ele próprio inventa.
G1: “Eleitores legitimam propostas
nocivas de Trump e um futuro sombrio para os EUA”. Subtítulo: “Presidente
eleito terá mais poder no segundo mandato e pretende governar sem controle de
sua própria autoridade”.
É uma manchete bombástica, essa dada a
uma coluna do G1. Você com certeza ficou todo arrepiado ao saber que o
eleitorado americano “legitimou um futuro sombrio” para o seu país.
Objetividade é isso aí. E você? Acha que uma manchete dessas é legítima para um
futuro sombrio ou luminoso para a velha imprensa?
Sobre a pretensão de governar sem
controlar a própria autoridade, seja lá o que isso signifique, fica-se a
imaginar como seria escrever sem controlar a própria leviandade.
Globonews: “O medo, o ódio tem um poder
de aglutinar muito maior do que um discurso de ‘vamos ouvir as minorias’,
identitário. É a antiglobalização. Agora vão erguer os muros novamente. O que
estamos vendo é o reerguimento de novos muros.”
A primeira questão que se coloca a
partir desse insight veiculado pela Globonews é de engenharia: como fazer para
reerguer um novo muro? Será que é possível construir um muro já derrubado, de
forma que, na inauguração do novo muro, se possa considerar que ele foi
reerguido? Com a palavra os especialistas em concreto semântico.
Sobre o medo e o ódio: minimizar um
atentado à bala que não mata sua vítima por questão de milímetros e ficar
tratando essa vítima como algoz tem poder aglutinador? Ou é só um anestésico de
consciência? Ou, ainda: seria uma legitimação do próprio ódio? Respondam à
vontade - mas falem baixo, para não atrapalhar a genialidade dos
geopolíticos.
UOL: “EUA optam pelo inferno e forçam o
mundo a conviver com o diabo”. Essa foi na mosca. O único problema desse
furo de reportagem do colunista do UOL foi não trazer uma entrevista exclusiva
com o diabo, para que pudéssemos vê-lo colocando o rabo entre as pernas ao
conviver com essa criatividade infernal.
Folha de S. Paulo: “Americanos votaram
livremente contra a democracia. Resultado da eleição nos EUA, quatro anos após
tentativa de golpe no Capitólio, deixa claro que a aberração é Biden”.
Pelo visto, a aberração é Biden e o
labirinto mental do jornalismo da Folha. Esse artigo destacado pelo jornal
mostra que votar livremente pode ser um ato antidemocrático - desde que o juiz
do que é ou deixa de ser democracia seja eu.
Enfim, como mostram todas as manchetes
acima, o mundo acabou. As pesquisas tendenciosas morreram na praia, o
jornalismo pré-datado estava sem fundos, a censura velada nas redes não foi
suficiente dessa vez e o “presente de Deus” anunciado por Jane Fonda na
pandemia não reeditou o pandemônio. Divirta-se sem moderação com a desenvoltura
da imprensa marrom para narrar o apocalipse.