Está em discussão
mais uma vez uma questão que teria levantado um senhor escândalo internacional
se os papéis dos atores fossem outros – ou seja, se os bandidos fossem as
vítimas e os mocinhos fossem os carrascos. Não vai mudar nada, é claro – a não
ser no volume da indignação das classes intelectuais contra os que acabaram
derrotados. Mas com a mudança no governo nos Estados Unidos, o tema pode causar
mais incômodos do que em geral se espera dessas situações.
O problema (os
analistas políticos tendem a chamar essas coisas de “desconforto”) é uma
pergunta que o regime brasileiro não apenas não responde, como não admite
sequer que seja feita: houve interferência a favor de Lula e contra Bolsonaro,
inclusive do Deep State americano, na eleição presidencial de 2022?
É evidente que houve, e, justamente por
ter havido, a discussão a respeito foi proibida, criminalizada e punida pelo
STF, a Polícia Federal e os seus sistemas de apoio na política, na mídia e na
elite em geral. Pode não ter havido nos porões do governo do presidente Joe
Biden, mas houve na sala de visitas do consórcio Lula-STF – e é isso,
naturalmente, que deveria ter sido desde o começo o verdadeiro problema. Não
foi: perguntar se tinha sido, só perguntar, foi declarado ilegal e punido,
inclusive, com multa de 22 milhões de reais. Mas Estados Unidos é Estados
Unidos. Se surge uma faísca lá, aqui já vira dinamite.
Não tente pedir nenhum esclarecimento
sobre a eleição de Lula, nadinha de nada – vão lhe acusar de 'golpe', 'ataque
ao STF', acusação 'sem provas', o diabo. O tempo dirá o que o Deep State pode
ter a ver com a história toda
Numa democracia normal, suspeitas de
jogo sujo nas eleições já seriam mais do que suficientes para provocar um
terremoto – havendo ou não interferência de governo estrangeiro. Mas o Brasil
não é uma democracia, e nem um país normal. Se os fatos em relação a 2022, como
a possível ação do Deep State na eleição brasileira, vierem a conhecimento
público através dos Estados Unidos, e por meio de investigações do governo de
Donald Trump, pode estar vindo uma crise de nervos por aí. E seria bom que
viesse. Quem sabe, assim, se poderia pensar numa desinfecção de eleições que
jamais tiveram as condições de higiene indispensáveis para se levar a sério os
seus resultados. Falar nisso, até hoje, é oficialmente tido como fantasia
golpista. E se não for mais?
Tem sido óbvio, desde o começo, com ou
sem Deep State americano, que a eleição para presidente em 2022 foi tudo, menos
um processo normal. O STF tirou da cadeia, sem apresentar nenhum motivo
racional e sem qualquer processo judicial de absolvição, um condenado por
corrupção passiva – e o transformou em seu candidato virtual à presidência da
República. Aboliu, no seu caso específico, a Lei da Ficha Limpa que impedia sua
candidatura. Fez o Congresso abolir a lei que criava o comprovante de voto nas
urnas do TSE. Impediu, furiosamente, qualquer aprimoramento nos sistemas
eletrônicos de votação, apuração e de segurança. Censurou notícias que
incomodavam Lula e o PT durante a campanha; foi proibido, por exemplo, dizer
que ele era a favor da ditadura da Nicarágua.
O STF, via a sua milícia eleitoral do
TSE, impediu que a campanha de Bolsonaro mostrasse imagens da inédita multidão
que foi lhe prestar apoio na festa do Sete de Setembro em Brasília. Perseguiu
judicialmente adversários dos candidatos de esquerda. Foi comprovadamente
parcial no controle da propaganda eleitoral. Montou uma “comissão de
fiscalização” do processo eletrônico, enfeitada pela presença de militares, que
não pôde fiscalizar absolutamente nada – mal foi autorizada a entrar nas salas
dos computadores. No dia da apuração, a horas tantas, declarou que Lula tinha
ganhado. Foi proibido o exame de qualquer número. O partido que esboçou uma
petição de conferência de cifras foi multado naqueles R$ 22 milhões, no ato,
sem ter tido nem mesmo a oportunidade de se defender com um advogado.
Na cerimônia de diplomação de Lula, o
ministro do TSE que comandou o processo eleitoral disse ao ministro Alexandre
Moraes, o maior inimigo político de Jair Bolsonaro: “Missão cumprida”. Antes, o
ministro Barroso havia dito em público: “Eleição não se ganha, se toma”.
Depois, para fechar a coisa pelos sete lados, decidiram que Bolsonaro não pode
disputar eleições até 2030 – embora não tenha sido condenado por nenhum tipo de
crime previsto na legislação brasileira.
A cada vez que se aponta qualquer fato
desses, a atitude automática da mídia é dizer: “Sem provas”. Ninguém, é claro,
pede “provas” das acusações que Lula faz praticamente todos os dias, por mais
infantis, absurdas e idiotas que sejam. Mas não tente pedir nenhum
esclarecimento sobre a eleição de Lula, nadinha de nada – vão lhe acusar de
“golpe”, “ataque ao STF”, acusação “sem provas”, o diabo. O tempo dirá o que o
Deep State pode ter a ver com a história toda da eleição brasileira. Enquanto
isso, o problema real continua sendo o State brasileiro mesmo – esse que está
aí todo dia, e que você conhece tão bem.