A manifestação
realizada neste domingo (16) na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro,
consolidou como uma bandeira de Jair Bolsonaro (PL) a anistia aos presos do 8
de janeiro. O ex-presidente e seus principais aliados defenderam como
prioridade da oposição um projeto de lei nesse sentido, o que tende a
fortalecer a pressão no Congresso pela pauta.
Durante o evento, a
injustiça das prisões foi a tônica das falas de políticos, apoiadores e do
próprio Bolsonaro. Em postagem no X após o evento, o ex-presidente reforçou a
mensagem citando Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, preso do 8 de janeiro
que morreu enquanto estava encarcerado em novembro de 2023.
"A pergunta
que faço a toda a sociedade brasileira é: quantos mais precisarão morrer para
que o Brasil tenha coragem de deter esse abuso de poder e anistiar essas
pessoas, trazendo tranquilidade para essas famílias e paz para o Brasil?",
questionou Bolsonaro.
O ex-presidente
também comemorou, durante a manifestação, acordos que tem feito com partidos do
Centrão para pautar a anistia, e citou uma conversa sobre o assunto com
Gilberto Kassab (PSD), secretário de Governo e Relações Institucionais do
governo Tarcísio, em São Paulo. "Não é só o PL, não, tem gente boa em
todos os partidos. Eu, inclusive, há poucos dias resolvi um velho problema que
tinha com o Kassab em São Paulo. Ele está ao nosso lado com a sua bancada para
aprovar a anistia em Brasília. Todos os partidos estão vindo", disse.
O cientista
político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec-BH e da Universidade Federal de
Ouro Preto (Ufop), vê como um ponto positivo o fato de Bolsonaro ter
concentrado o evento na pauta da anistia. "O evento funcionou. Deixou um
recado claro. Marcou uma posição de Bolsonaro em favor da anistia. Ele não fez
esse evento para acabar com o governo do Lula, com a pauta do 'fora Lula'.
Ficou marcado como um evento convocado por Bolsonaro em favor dos
anistiados", afirma.
O cálculo da
dimensão do evento gerou controvérsias nas redes sociais. Enquanto a Polícia
Militar do Rio de Janeiro estimou 400 mil pessoas, uma ONG minimizou a adesão e
falou em 18,3 mil participantes. Para Cerqueira, a quantidade de pessoas não é
o mais importante.
"Se foram 20
mil pessoas, como alguns falaram que foi, ou 400 mil, como a PM do Rio falou, o
fato é que foi muita gente. Deu para fazer fotos impactantes. E isso ajuda na
pressão em favor das pessoas que estão presas", diz.
Trabalho da
oposição no Congresso é próximo passo para atender aos pedidos por anistia
Protestos ocorreram
em outras cidades do país, tendo a anistia também como pauta principal. O
senador Eduardo Girão (Novo-CE), que foi à manifestação em Fortaleza, considera
importante a mobilização das ruas para viabilizar a anistia, e pede novas
manifestações todo mês, para reforçar a pressão sobre o Congresso.
"É uma mobilização que não pode
parar. A gente precisa já fazer outra em abril, a gente precisa continuar.
Porque os gritos das ruas ecoam e incomodam dentro do Congresso Nacional",
afirma. "Se tem uma coisa pela qual político tem total respeito, para não
dizer até medo, são manifestações nas ruas. Eles quiseram intimidar com o 8 de
janeiro, com aquela arapuca toda para ter justificativa para perseguir os
adversários políticos. Mas o povo está voltando para a rua. Nós tivemos ótimos
sinais e vamos para cima."
Pelo X, a deputada Bia Kicis (PL-DF)
comemorou os protestos e também destacou a necessidade de luta no Congresso
pela anistia. "Para que haja o mínimo de justiça no nosso país, é
imprescindível anistia aos presos políticos. Copacabana hoje ferveu, com
pessoas dispostas a lutar pela anistia. Vamos trabalhar incansavelmente também
no Congresso para aprovarmos o projeto de lei que tirará da cadeia e do exílio
mães, pais, avós, pessoas como cabeleireira Débora, e tantos outros
inocentes", escreveu em sua conta.
Paulo Kramer, doutor em Ciência
Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj),
avalia que a oposição precisa fazer manifestações com frequência se quiser
sensibilizar o Centrão.
"Será necessário que manifestações
como a de hoje evoluam num crescendo de protestos populares. Não nos iludamos
de que será fácil: as manifestações pelas Diretas Já, em 1984, por exemplo,
reuniram milhões de pessoas, mas, mesmo assim, foram incapazes de perfazer a
maioria de dois terços então exigida pela Constituição para aprovação da famosa
emenda Dante de Oliveira [proposta de emenda constitucional de 1983 que visava
restabelecer eleições diretas para presidente no Brasil]", observa.
Além disso, segundo ele, é preciso
estar alerta para o desequilíbrio atual dos Três Poderes. "Não dá para
esquecer que o STF poderá, simplesmente, anular qualquer lei de anistia,
desconsiderando a maioria parlamentar."
Ainda assim, ele considera
"importante continuar batalhando nessa frente". "Sem, porém,
descuidar de outras lutas, como a da conquista de uma maioria de senadores que
permita votar o impeachment de ministros do Supremo e, igualmente crucial, da
reforma regimental para acabar com a prerrogativa do presidente da Casa de
impedir a abertura do processo", ressalva.