Na Grécia antiga, por volta dos séculos 8 a.C a 2 a.C, um importante
centro religioso, situado no sopé do Monte Parnaso, atraia milhares de pessoas,
entre reis e cidadãos comuns em busca de orientações e previsões sobre o futuro
feitas por oráculos e interpretados por uma sacerdotisa chamada Pítia. Por sua
fama e independência política, os Oráculos de Delfos eram respeitados e até
temidos por sua capacidade de influenciar as pessoas em suas decisões. Não por
outra razão, durante seis séculos, esse centro religioso permaneceu como um
centro de grande prestígio e fama no mundo antigo. Era impossível para os
cidadãos gregos tomarem decisões futuras sem antes consultar esses videntes. Os
reis e mandatários daquele tempo não davam um passo sequer sem antes ouvirem o
que profetizavam as pitonisas.
Qualquer indivíduo que se interesse por assuntos dessa natureza, verá
que, ao longo da história da humanidade, a preocupação com o futuro e o que
está por vir sempre ocupou papel importante na vida das pessoas. Essa atenção
especial dada ao futuro vem de longe, mas ainda hoje ocupa grande espaço na
vida das pessoas. Certo ou errado, o fato é que hoje, em pleno século XXI, a
busca por conhecer antecipadamente o dia de amanhã ainda é uma prática
corriqueira. Muitos políticos hoje não dão um passo sem antes consultar seus
oráculos e guias, uma mania que até mesmo a era tecnológica não foi capaz de
pôr de lado. Pelo contrário.
Hoje em dia, vai se tornando cada vez mais corriqueiro encontrar pessoas
que se utilizam de tecnologias como a fornecida pela Inteligência Artificial
(IA) para fazer consultas, visando antecipar as consequências que o futuro
reserva para cada ato no presente. Políticos, estrategistas de guerra,
economistas e pessoas comuns têm utilizado, com cada vez mais frequência, os
recursos ilimitados disponibilizados pela IA. Dizem os mais céticos que o
futuro não é um lugar ou uma situação para onde vamos, mais um lugar ou uma
situação que estamos criando no presente. O plantio é facultativo, mas a
colheita é sempre obrigatória. Volta e meia estamos assistindo pessoas levando,
diretamente, à IA questões das mais diversas, que vão desde perguntas como o
dia em que Jesus retornará, até perguntas de ordem filosóficas que expliquem o
que é o livre arbítrio ou se estamos ou não vivendo dentro de uma matrix, onde
tudo é uma ilusão.
Por mais incrível que possa parecer há aqueles que utilizam a IA para
apresentar questões de cunho romântico, em que busca descobrir, por exemplo,
quando chegará um novo amor. Existe um paralelo instigante e duradouro entre o
passado e o presente, mostrando como a inquietação humana diante do futuro
permanece uma constante ao longo dos séculos.
Na Grécia Antiga, o prestígio dos Oráculos de Delfos simbolizava a
necessidade ancestral de orientação diante do desconhecido. Reis, generais e
cidadãos comuns viam na voz da Pítia, supostamente inspirada por Apolo, uma
âncora de segurança em um mundo incerto. Essa busca por previsibilidade — ou ao
menos por conselhos diante das incertezas — é, na verdade, uma expressão do
medo que sempre acompanhou o ser humano: o medo do imprevisível, da
instabilidade e, principalmente, da perda de controle. No século XXI, mesmo com
o avanço exponencial da ciência e da tecnologia, essa inquietação não só não
desapareceu, como parece ter se intensificado. Vivemos um tempo de paradoxos:
nunca tivemos tanto conhecimento acumulado, e ao mesmo tempo, nunca estivemos
tão vulneráveis a crises imprevisíveis — ambientais, sanitárias, políticas,
bélicas.
A tecnologia e, especialmente, a Inteligência Artificial tornou-se o
novo oráculo moderno. A diferença é que, enquanto os antigos acreditavam na
inspiração divina dos oráculos, os modernos confiam na capacidade dos dados e
modelos preditivos. No entanto, por trás da mudança de roupagem, a motivação é
a mesma: o temor diante de um mundo caótico e imprevisível. Essa angústia
cresce especialmente em tempos como o atual, marcados por incertezas globais e
ameaças existenciais. O espectro de uma Terceira Guerra Mundial, impulsionado
por tensões geopolíticas, armamentos nucleares e a proliferação de regimes
autoritários, ronda o imaginário coletivo.
As imagens de guerras na Ucrânia, no Oriente Médio e a escalada militar em torno da Ásia evidenciam que o planeta vive sob uma tensão constante, na qual a paz parece cada vez mais frágil. Diante disso, a Inteligência Artificial passa a cumprir um papel duplo. Por um lado, oferece ferramentas poderosas para antecipar riscos, prever cenários e buscar soluções racionais. Por outro, ela também é usada como refúgio emocional, como forma de transferir a responsabilidade por decisões difíceis para uma “inteligência superior”. Nesse sentido, a IA se transforma numa espécie de espelho moderno do oráculo antigo — não apenas como preditora, mas como conselheira, confidente e, muitas vezes, como último recurso. O fato é que, independentemente da época, o ser humano permanece o mesmo em sua essência: inseguro diante do desconhecido e ávido por respostas que lhe deem algum senso de direção. A pergunta que ecoa desde Delfos até os servidores da IA continua a mesma: para onde estamos indo? Nesse cenário, talvez o verdadeiro oráculo contemporâneo não seja a IA em si, mas a consciência humana — despertada, crítica e responsável — que precisa assumir que o futuro, em grande parte, é construído a partir das escolhas feitas hoje.