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A invenção da democracia postiça

A invenção da democracia postiça

Lula disse no Chile que eleições não são suficientes para garantir a democracia. Logo se espalhou uma versão de que o presidente brasileiro estaria propondo o fim do regime eleitoral, com votações a cada quatro anos vigente no Brasil — o que não foi o que ele disse. E o que foi que ele disse?


O que ele disse não tem nada a ver com a polêmica instaurada. De um lado, opositores tentando inflar o sotaque autoritário do petismo (como se fosse preciso) insinuando que o presidente da República estaria flertando com a supressão de eleições no país.

Mesmo que fosse essa a intenção dele, obviamente jamais seria verbalizada. De outro lado, a imprensa amiga atuando como porta-voz, para dizer que o que Lula defendeu foi o fortalecimento da democracia.


O que Lula defendeu no Chile foi uma agenda política que não é de autoria dele, nem do PT, nem dos que detêm o poder no atual regime brasileiro. Essa agenda política foi plantada mundialmente no final do século 20, quando o encerramento da Guerra Fria prenunciou uma era de ouro para a civilização.


O século 21 nasceu com a marca de uma nova governança responsável — superando os populismos perdulários e a chantagem das grandes guerras. O mundo tinha tudo para mergulhar num círculo virtuoso, e jogou esse círculo fora.


Em termos de valores civilizatórios, o século 21 é o século do atraso. Exatamente porque a ideia de democracia foi contrabandeada por essa agenda obscura plantada após o fim da União Soviética.


Na década de 90, o princípio da liberdade, que tinha na sociedade norte-americana sua encarnação mais vigorosa, alcançou talvez a sua maior extensão sobre a Terra. De fato, as múltiplas formas de sujeição de seres humanos — seja por sistemas totalitários como os da Cortina de Ferro, seja por formas atualizadas da opressão escravocrata, com esmagamento de minorias — se reduziram muito, planetariamente, nesse período. Nunca o “risco” da hegemonia democrática tinha sido tão alto.


Em certo aspecto, a ideia de democracia plena é ameaçadora para a humanidade. Uma das pulsões humanas menos nobres — inconfessável até num divã — é a da busca pelo poder sem mérito.


Para evoluir de fato, o ser humano precisa superar a tentação dos esquemas de poder — ou seja, da busca pela inserção em círculos de privilégios. Resistir às facilidades artificiais, não se encantar com adulações, não se desconectar da relação entre esforço e benefício. Isso faz a diferença entre elites virtuosas e elites espúrias.


O lado espúrio das elites humanas não suportou o triunfo da democracia no final do século 20. E aproveitou a liberdade para envenenar o Rio - com a tal agenda de “modernização” do comportamento humano, na verdade o maior mergulho reacionário da história.


Com a multiplicidade de selos politicamente corretos, woke, antifas, etc., o salto democrático da comunicação total (internet) levou consigo o vírus antidemocrático.


"Um arsenal de pretextos para a dominação e o controle artificiais invadiu as culturas. Hoje, é possível cercear a liberdade de expressão fingindo bradar pela liberdade de expressão"


No Chile, Lula disse que eleições não são suficientes para sustentar a democracia: é preciso combater o ódio, regular as redes, etc, etc. Não à toa ele já declarou sua afinidade com o presidente chinês na gestão do meio digital, inclusive com promessa de colaboração.


O governo dos EUA acaba de repudiar a legislação europeia para disciplinar as redes sociais (Digital Service Act) por seu caráter autoritário. Nunca foi tão fácil ver onde está a democracia e onde está a impostura.



Guilherme Fiuza - Foto: Ricardo Stuckert/PR) - Gazeta do Povo


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