Líderes e chanceleres de países que compõem o BRICS se reuniram no Rio de Janeiro, para discutir temas como a governança global, combate à pobreza, inteligência artificial e mudanças climáticas. O que, à primeira vista, pareceria mais uma reunião de trabalho desse grupo, acabou por se transformar num evento, que, embora esvaziado das principais lideranças do bloco (Rússia e China), trouxe repercussões concretas para o Brasil.
A tal da governança global, que em miúdos significa acabar com o predomínio do dólar nas transações internacionais, substituindo-o, talvez, pelo rublo ou pelo Yuan, serviu como uma espécie de gota d´água para entornar de vez as relações entre os Estados Unidos e o Brasil. Essa história de fortalecer a cooperação global para uma governança mais inclusiva e sustentável não esconde o desejo desse bloco de minar a influência econômica americana no mundo, uma estratégia levada muito a sério pelo eixo Moscou-Pequim. O Brasil entra nessa manobra como um país geograficamente situado no continente americano e que pode, num futuro próximo, servir de ponte para o avanço dessas lideranças do outro lado do mundo, rumo aos EUA. A questão é derrotar os EUA a partir do seu próprio quintal.
Para analistas isentos, o Brasil nada tem a aprender com esse bloco que reúne as maiores ditaduras do planeta. A ausência dos principais líderes de Rússia e China não esvaziou o simbolismo do encontro, tampouco seus desdobramentos concretos para o Brasil. Ao contrário, mesmo sem o protagonismo de Xi Jinping ou de Vladimir Putin, a pauta apresentada deixou claro que o bloco segue coeso em seu objetivo central: reformular a ordem internacional com menos influência do Ocidente — leia-se, especialmente, dos Estados Unidos. O discurso sobre “governança global inclusiva” soa, à primeira vista, como um apelo por justiça econômica e multilateralismo.
No entanto, essa retórica esconde uma estratégia de longo prazo de Moscou e Pequim para minar os pilares do sistema financeiro internacional liderado por Washington desde Bretton Woods. A proposta de comércio bilateral em moedas locais e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (o “banco dos BRICS”) são peças fundamentais desse xadrez geopolítico. A participação brasileira nesse projeto é ambígua e delicada. Geograficamente situado no hemisfério ocidental e ainda fortemente dependente do comércio com os EUA e a União Europeia, o Brasil busca, nos BRICS, alternativas para diversificar suas relações comerciais e financeiras. No entanto, ao se aproximar de regimes autoritários com agendas antagônicas aos interesses americanos, o país se expõe a represálias econômicas e políticas — como ficou evidente com a resposta rápida do ex-presidente Donald Trump, que anunciou tarifas sobre produtos brasileiros em setores-chave, como o aço, o alumínio e produtos agrícolas. Trata-se de um gesto típico do trumpismo: unilateral, protecionista e de forte valor simbólico. A imposição de tarifas que, segundo fontes ligadas ao Departamento de Comércio dos EUA, foram justificadas por “práticas comerciais desleais” e “riscos à segurança nacional”, é, na verdade, uma retaliação política travestida de preocupação econômica. Mesmo tendo imposto taxas maiores a vários países, a medida acende um alerta vermelho sobre os custos geopolíticos de certas alianças ideológicas — especialmente quando estas desafiam o poder hegemônico dos EUA a partir de seu próprio continente.
O Brasil se vê, portanto, diante de um paradoxo: buscar protagonismo internacional por meio de uma coalizão revisionista (BRICS), enquanto tenta manter relações pragmáticas com o Ocidente, que ainda responde pela maior parte dos investimentos e acesso a tecnologias de ponta. Esse jogo duplo exige habilidade diplomática rara — algo que nem sempre está disponível em governos ideologicamente engajados. Não é por outra razão que se aponta que o Brasil não tem nada a aprender com regimes como o da Rússia, da China, do Irã ou da Etiópia no que diz respeito a democracia, liberdades civis ou transparência institucional. A aproximação excessiva com esses países pode corroer a imagem internacional do Brasil como uma democracia emergente e dificultar parcerias com países democráticos, sobretudo em temas sensíveis como direitos humanos, meio ambiente e cooperação tecnológica.
Portanto vale concluir que a reunião do BRICS no Rio escancarou a encruzilhada geopolítica em que o Brasil se encontra: ou atua como peça de manobra num tabuleiro desenhado por potências autoritárias, ou reafirma seu compromisso com uma ordem internacional baseada em regras, mesmo que desequilibradas. A retaliação americana é só o primeiro sinal de que o preço da ambiguidade estratégica pode ser alto e imediato. Geografia é destino, já ensinavam os antigos estrategistas. Ignorar essa realidade pode custar mais do que qualquer vantagem simbólica no cenário internacional. A atual imposição de tarifas pelo governo americano soa, assim, como uma espécie de primeiro aviso. O que pode vir a seguir, depende mais da expertise política e diplomática do que arroubos ideológicos e discursos ultrapassados e sem sentido atual.