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Comunismo e a alma do Ocidente

Comunismo e a alma do Ocidente

Um livro que me marcou bastante nessa fase de leituras religiosas foi “Communism and the Conscience of the West”, do venerável arcebispo Fulton Sheen. Sua grande tese é que o comunismo representa uma ameaça aos valores ocidentais, mais por questões espirituais do que econômicas. Na verdade, o autor coloca o comunismo num grupo não tão distinto assim do liberalismo, ao menos em sua versão economicista. Ao reduzir o homem a um agente econômico apenas, ambos os modelos materialistas negam o aspecto espiritual da humanidade.


Mais do que uma disputa entre coletivismo e individualismo, portanto, o que estaria em jogo é a disputa pela alma do homem. De um lado, o liberalismo parte da ideia de que liberdade é licença e que consumidores devem buscar seus prazeres sem coerção; de outro, o comunismo quer impor um meio de produção estatal, aceitando a premissa de que a economia é tudo o que importa. Capitalistas ou burocratas decidem como alocar os recursos, mas, em ambos os casos, há total desprezo pelo aspecto espiritual do ser humano, feito à imagem de Deus.


O homem moderno carece, então, de um propósito mais elevado, e acaba frustrado com o hedonismo à sua volta. Se o liberalismo significa um sistema que acredita no progresso em direção à liberdade como um direito para se fazer aquilo que se deve fazer para uma vida com propósito, então merece apoio; mas se representa o direito para se fazer o que se deseja, então merece ser condenado. Não haveria qualquer distinção entre quem vive uma vida plena e quem permite se tornar escravo dos próprios vícios. Sheen desenvolve seu raciocínio sobre isso:


"Liberdade para o cristianismo não significa o direito de fazer o que quiser, mas sim o direito de fazer o que se deve. "Deve" implica ordem, lei e justiça. Liberdade, por definição, é um atributo que pertence apenas a uma pessoa. Não pode ser atribuído a uma coletividade ou totalidade, seja ela uma nação, um estado, uma raça ou uma classe. A falácia básica do comunismo nesse ponto é a transferência da liberdade da pessoa para a coletividade."


"Sheen acredita que o liberalismo só funciona numa sociedade com bases morais sólidas"


Como outros pensadores importantes, Sheen acredita que o liberalismo só funciona numa sociedade com bases morais sólidas, que no Ocidente são provenientes do legado cristão. Ao amputar essa perna moral, cortando de cena a religião, o liberalismo moderno coloca em risco as próprias liberdades individuais que prega. O verdadeiro conflito seria entre uma visão que crê no absoluto e que o homem deve obediência a Deus, ou uma sociedade que acredita que o homem pode se tornar seu próprio Deus. Eis como Fulton Sheen explica:


"Satanás, por meio de seus poderes superiores, conseguiu desviar os homens ao sugerir-lhes que se tornarão como deuses. Mas, pela busca do mal e pela substituição de si mesmo por Deus, o homem, longe de se tornar o ser divino de seus sonhos, torna-se escravo de sua natureza inferior e, ao mesmo tempo, ao perder sua natureza superior, fica sujeito à necessidade natural e deixa de ser espiritualmente determinado de dentro para fora. Ele é privado de sua liberdade. "


Mesmo com o avanço do sentimento antirreligioso no Ocidente, Sheen não é pessimista e lembra que a Igreja sobreviveu a inúmeras crises em dois milênios de história. Mas ele admite que nunca houve um argumento tão forte para a necessidade do cristianismo, pois os homens estão descobrindo que suas misérias, suas guerras e suas revoluções aumentam em proporção direta ao negligenciarem o legado cristão. 


Ocidente que merece ser salvo é aquele que prega os direitos humanos como herança de Deus, que valoriza a dignidade do indivíduo por ele ser feito à imagem de Deus, e prega a liberdade com responsabilidade e como uma dádiva divina para se fazer aquilo que se deve, não qualquer coisa que der na “telha”. Já o lado materialista, herdeiro da Revolução Francesa, que coloca o homem como um animal mais desenvolvido e acredita que o mal pode ser curado pela “educação”, este Ocidente seria parte do problema. O comunismo representa este Ocidente turbinado. Se nossa civilização se tornou indiferente ao cristianismo, o comunismo é anticristão. Mas ambos desprezam aquilo que permitia as liberdades individuais até então.


Quando se abandona Deus, mergulha-se no relativismo moral e “tudo é permitido”. O comunismo, como uma visão completa de mundo, acaba endossando isso de forma mais radical, mas o liberalismo secular ocidental vai na mesma linha, ainda que de forma mais tímida. Segundo Sheen, que faz uma análise minuciosa das ideias de Marx, não há uma única ideia russa na filosofia comunista; ela teria origem burguesa, ocidental e materialista. 


Quem pode oferecer resistência ao comunismo, portanto, é a Igreja, não o liberalismo secular. Não por acaso os comunistas declaram guerra ao cristianismo. Em sua doutrina, não há espaço para a ideia de Deus, não há diferença entre matéria e espírito, entre alma e corpo. Por isso, o comunismo ataca também o matrimônio e a família, como instituições artificiais que representam obstáculos ao ideal utópico de uma sociedade sem classes. “Em uma palavra, os comunistas afirmam inaugurar uma nova era e uma nova civilização que é o resultado de forças evolutivas cegas culminando em uma humanidade sem Deus”, resume.


O comunismo quer o impossível: uma irmandade sem a paternidade de Deus. Ao tentar criar o “novo homem” na marra, acaba produzindo escravidão e uma pilha de cadáveres. Ao tentar eliminar o poder do dinheiro, mostra-se incapaz de eliminar o desejo pelo poder. Ao contrário do cristianismo, que quer salvar cada alma para a vida eterna no Reino dos Céus, o comunismo quer salvar a Humanidade por meio de uma revolução, e acaba criando o inferno na Terra. 


Os perfis seduzidos pelo comunismo costumam ser os ingênuos e os amargurados. E o materialismo ocidental tem produzido uma legião de rancorosos que se tornam alvos fáceis do discurso comunista. A destruição das famílias, o relativismo moral, o hedonismo, as drogas, tudo isso tem enfraquecido os pilares da civilização ocidental. A tolerância virou indiferença frente à Verdade, e falta paixão e propósito aos ocidentais. Nenhuma civilização pode permanecer por muito tempo indiferente à religião, diz Sheen. Eis o que ele conclui dos três grandes sistemas totalitários:


"Comunismo, nazismo e fascismo foram revoltas contra o materialismo parcial em nome do materialismo total; protestos contra o individualismo em nome da coletividade, sendo a única diferença entre as três formas de totalitarismo que o nazismo absorvia a pessoa na raça, o fascismo no estado e o comunismo na classe. Todos os três sistemas representavam revoltas contra a desintegração do mundo."


O liberalismo secular se mostra impotente diante de tais ameaças. Os jovens modernos querem paixão, fogo e entusiasmo, e não encontram isso no mundo hedonista e relativista. “O humanismo sozinho não pode restaurar a paixão necessária, primeiramente porque nenhum homem tem um valor intrínseco exceto como criatura de Deus. Se ele é apenas um descendente da besta, então não se pode esperar nada melhor dele do que agir como uma besta”. O Ocidente quer preservar os frutos do cristianismo abandonando suas raízes, e isso se mostra inviável. 


Para concluir: “Quando uma civilização perde uma filosofia de vida unificadora e um propósito comum, como um corpo sem alma, ela começa a se fragmentar em mil elementos discordantes e em conflito”. Estamos afundando pelo mesmo motivo que Pedro: tiramos o olhar do Mestre!



Rodrigo Constantino - (Foto: Divulgação/ Lumine TV) - Gazeta do Povo


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