test banner

O café nosso de cada dia

O café nosso de cada dia 

Não é de hoje que o Brasil é conhecido como a terra do café, não apenas pela quantidade que produz como pela qualidade também do produto. Entre novembro de 2023 e outubro de 2024, o consumo per capta de café foi de 6,26 quilos por ano, o que significa que nosso país é o maior consumidor de cafés nacionais e o segundo maior do mundo, isso de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de café (ABIC). O consumo mundial de café gira em torno de 177 milhões de sacas de 60 Kg. Internamente, o consumo é de 21,9 milhões de sacas nos últimos doze meses. Ocorre que, nos últimos meses, em decorrência de um aumento nos preços do produto de 40%, o que se observa é que há uma queda acentuada no consumo interno. 

Por outro lado, um problema seríssimo tem afetado o gosto dos brasileiros pelo cafezinho diário. E é aqui que mora o problema. De uns anos para cá, tem aumentado muito as ocorrências policiais que mostram que o café que chega nas mesas dos brasileiros é cada vez menos café e mais outros produtos. A falsificação e a adulteração do produto têm crescido nos últimos anos e isso tem espantado os consumidores. A questão é que a falta de uma fiscalização adequada tem favorecido as quadrilhas que mais e mais ousam comercializar cafés impróprios para o consumo e de variadas marcas. A ingestão desses produtos adulterados traz um sério risco à saúde e não surpreende que tenha aumentado também os casos de intoxicação. 

Os altos preços e a duvidosa qualidade de muitos desses cafés têm feito com que os consumidores mudem seus hábitos diários, inclusive deixando o café de lado. Ao fugir dos preços altos, o consumidor acaba trocando o café por marcas mais baratas, e isso só faz aumentar o problema, já que muitas dessas marcas mais em conta possuem, em sua composição, produtos diversos, que estão misturados ao café. A falsificação do café não é um fato novo, sempre existiu. Ocorre que, nos últimos anos, o problema tem crescido para além do poder de fiscalização da Anvisa e outros órgãos nacionais. Os selos de qualidade nada impedem que o produto continue a ser falsificado e adulterado. 

Diante desse flagelo, a exportação do café brasileiro para o mundo tem sido enormemente prejudicada, chegando a cair mais de 20% no ano passado. A extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC), em 1990, em nada ajudou o setor e muitos chegam a considerar que isso abriu as portas para a desvirtuação do café e o aumento de marcas de baixa qualidade. Não há como separar a identidade brasileira do café. Somos um dos maiores produtores e exportadores globais, com safras volumosas e uma cadeia produtiva de enorme importância econômica, social e cultural. Contudo, por trás desse cenário de liderança, há um crescente problema que ameaça a credibilidade do setor, a saúde pública e o hábito do brasileiro de tomar seu cafezinho diário: a falsificação, a adulteração e a degradação da qualidade do café consumido no mercado doméstico. 

Nos últimos meses, diversas ações de fiscalização mostraram que o risco deixou de ser apenas hipótese e virou realidade concreta. Em 2 de junho de 2025, a Anvisa determinou o recolhimento imediato de produtos de três marcas (Melissa, Pingo Preto e Oficial do Brasil) de “pó para preparo de bebida sabor café”. Os motivos foram várias irregularidades: presença da micotoxina ocratoxina A, impurezas, matérias estranhas, utilização de resíduos ou “cascas e resíduos de café” — materiais que não podem ser considerados café nos termos da legislação. Nos rótulos, expressão enganosa (“polpa de café”, “café torrado e moído”) e imagens que levam o consumidor a crer que se trata de café puro. A ocratoxina A (OTA) é uma micotoxina produzida por fungos como Aspergillus e Penicillium, que pode causar danos aos rins, fígado, sistema imunológico e está associada ao risco de câncer. Foi detectado que, em testes rápidos em amostras de pó de café torrado/moído no Espírito Santo, algumas ultrapassaram os limites máximos toleráveis para OTA (10 µg/kg). Além da contaminação, foram encontradas cascas carbonizadas, resíduos do beneficiamento, fragmentos de galhos e folhas, ou seja: componentes que não se enquadram na definição legal de café. 

O Ministério da Agricultura, por meio do Dipov, realizou operações de apreensão em fábricas de vários estados (São Paulo, Paraná, Santa Catarina). As irregularidades eram graves: produtos rotulados como café torrado, mas que não tinham grãos inteiros aptos à classificação como “café beneficiado”. Esses acontecimentos não são inócuos. Eles repercutem em vários níveis, sobretudo, na saúde pública, com o risco real de contaminação por OTA, com efeitos agudos e crônicos, especialmente perigoso para grupos vulneráveis (crianças, pessoas com problemas renais ou imunitários). 

A confiança do consumidor: quando o consumidor descobre que o produto que consome pode não ser café, ou que parte dele é “lixo da lavoura” isso corrói a confiança e confiança é essencial para manutenção de hábito de consumo, mesmo com preços mais altos. Imagem do Brasil internacionalmente: exportações recorde no plano externo (volume e receita) contrastam com escândalos internos de falsificação. A percepção externa sobre qualidade pode sofrer. Isso pode aumentar barreiras, exigências de certificações mais rigorosas, reduzir competitividade. Os prejuízos ao setor produtivo legítimo são grandes; produtores que fazem o café corretamente, investem em boa lavoura, processo limpo, certificações e são penalizados por terem que competir com produtos de menor custo que burlam padrões legais, muitas vezes à custa da saúde do consumidor. 

Se há algo que o Brasil não pode perder é a confiança de seu próprio povo no café que consome. Mais do que bebida, o café é parte de nossa cultura, de nossos hábitos cotidianos, de nossos encontros, do alento da manhã. Se o consumidor passa a duvidar do que compra, se teme pela saúde, se percebe que os cafés “mais baratos” são menos café e mais resíduos, fragilidade institucional ou conivência, então todo esse patrimônio corre risco. 

A frase que foi pronunciada: “Se a vida te der limões, troque-os por grãos de café.”  (Da Internet) 

Circe Cunha e Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” - Ari Cunha - Foto: © Marcello Casal jr/Agência Brasil - Ilustração gerada por inteligência artificial – Correio
 Braziliense. 


Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem