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ENTREVISTA: IVAN CAMARGO (REITOR DA UNB) » "O PROFESSOR NÃO É NENHUM COITADINHO"

O reitor da Universidade de Brasília (UnB),  Ivan Camargo, não liga o ar-condicionado de sua sala. Engenheiro, especialista na questão energética, ele sabe o impacto que um simples botão de ligar e desligar tem nos reservatórios brasileiros. Tal atitude revela duas coisas. Uma sobre a situação do Brasil: a questão da energia é grave. A segunda, sobre ele mesmo: é um sujeito metódico e disciplinado.

Filho de militar, levou seu pragmatismo para a reitoria. Eleito num momento particularmente difícil, concentrou-se em arrumar a casa. Com os cortes no orçamento do governo federal, viu minguar a capacidade de investimentos em infraestrutura. Para completar, amarga uma greve de servidores que ele considera “a mais difícil que a UnB já viveu”.

Para driblar as dificuldades orçamentárias, o reitor admite vender projeções valiosas da universidade, que tem um patrimônio imobiliário de 1.500 imóveis. Admite negociar áreas importantes, como os terrenos da 207 Norte.

Também defende maior autonomia das instituições públicas de ensino superior. “A UnB, que é por definição uma universidade de vanguarda, poderia ousar e abrir a discussão.” Sobre uma possível reeleição para a reitoria, ele é categórico: “O que tenho dito é que, para repetir essa pauta que estou fazendo, eu não vou. É muito duro falar não para sindicato, cortar gastos, reduzir terceirizados, dizer não para os diretores. Essa pauta que tenho feito há três anos é muito desgastante. Mas, se a gente conseguir construir um projeto, com uma pauta, por exemplo, de radicalizar na autonomia, aí é para a universidade deslanchar, e não para voltar ao trilho.” Nesta entrevista ao Correio,  Ivan confessa que o incomoda muito o discurso de que professor é coitadinho.


A redução de repasses do governo comprometeu 10% do orçamento da UnB, o que representa cerca de R$ 1,5 milhão por mês. Como está a situação financeira da universidade?
O corte do custeio da UnB é igual ao das outras federais, mas o agravante da UnB é que nós já vínhamos de uma situação de desequilíbrio dos gastos de custeio. Assim como a Federal do Rio, a UnB gastava mais do que recebia do MEC. Quando vem um corte, a coisa só piora. A maior parte do custeio da UnB, cerca de 67%, é de contratos terceirizados. E o resto é coisa que não dá para mexer muito, como água, luz, papel. O foco tem que ser, infelizmente, nos contratos terceirizados. Só não mexemos no contrato da segurança. Ele foi mantido, porque há uma demanda muito grande para que a gente melhore a segurança. A administração tem um bom relacionamento com o MEC e o ministério vem honrando as dívidas da universidade.

Como esses cortes vão influenciar o ensino, a pesquisa?
O mais complicado dos cortes é não poder planejar a universidade. Se o corte foi de 10% no custeio, nos investimentos, o corte foi de 50%. Aí você empurra para o ano seguinte o que estava previsto para este ano. Esse é o grande drama das universidades públicas brasileiras. Em qualquer universidade do mundo, na França, na Espanha, em Portugal, há um investimento enorme em logística, em laboratórios, nos restaurantes, na biblioteca, e não conseguimos prever isso porque toda a nossa verba é destinada para pagar pessoal.

Afetará o investimento?
Este ano, estávamos com R$ 50 milhões de obras prontas para serem licitadas. Aí veio o corte e só poderemos licitar R$ 15 milhões. São obras das quais a universidade estava muito necessitada, mas terão que ser postergadas. 

Como gerir a UnB  em crise?
As principais mudanças de gestão são a passagem do Hospital Universitário para a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, ligada ao Governo Federal), e também no Cespe, que deixará de ser um centro da UnB e passará a ser uma organização social ligada à  universidade, mas com contratos de gestão com o MEC.

As mudanças são relevantes ?
Tínhamos, na UnB, o péssimo hábito de contratar pessoas de forma irregular e precarizada. Quando chegamos à administração, havia 1,5 mil pessoas contratadas de forma irregular. O Ministério Público do Trabalho já havia acionado a universidade e os reitores anteriores assinaram um TAC. Quando chegamos, o MP veio com a faca no nosso pescoço. Aí pedi ao MP que o MEC e o Ministério do Planejamento também participassem da negociação. Porque se tirasse do dia para a noite 1,5 mil funcionários, a gente pararia. Assinamos um acordo de que, em dois anos, o MEC daria as vagas necessárias. Dessa forma, em junho deste ano, conseguimos regularizar essa situação.

O que mudou no Cespe?
O Cespe era um centro da UnB e tinha 500 precarizados. O hospital também. O Cespe contratou pela CLT parte dos servidores, a Ebserh também resolveu o problema no hospital. As vagas estão sendo preenchidas, estamos na última fase e só falta preencher 190 cargos. Esse processo, que fechamos em junho, tem como consequência a greve. Essa é a paralisação que a universidade mais está sentindo. Está chegando aos 120 dias. Quando havia greve no passado, o servidor precarizado garantia o funcionamento da universidade. Agora, só com terceirizados e pessoal do quadro, o impacto é muito maior.

Com a mãe, os irmãos e os avós. Ivan é o garotinho do meio, no colo do avô José. A família veio para Brasília em 1970. Primeiro local de moradia foi a 104 Sul

Como minimizar os transtornos?
Fizemos um mutirão para garantir a matrícula e o registro de novos alunos, chamando professores, colaboradores, e começamos o semestre. Não tivemos nenhuma aula suspensa. Estamos com o cronograma normal.

São comuns os relatos de falta de professores. Por que isso ocorre?
Todo início de semestre, há contratação de professores substitutos. Os colegas mandam as demandas, que são processadas no nosso Decanato de Gestão de Pessoas. Mas o decanato está sem pessoal por causa da greve. De fato, atrasou esse processo. Não estamos começando o semestre nas condições ideais, mas nas condições possíveis. A greve atrapalha muito o funcionamento da UnB.

Em entrevista ao Correio, o ex-reitor Cristovam Buarque criticou o novo modelo de greves, dizendo que prejudicam mais e têm cunho meramente político.  Concorda?
Concordo integralmente. A sensação que tenho é de que há cerca de 20 pessoas no comando de greve e elas não conseguem mobilizar ninguém para a causa. Então, há funcionários em casa estudando para concurso, ou em férias, não há mobilização nenhuma. O comando de greve não aglutina ninguém. Na atual situação do Brasil, colocar na pauta de reivindicações que quer trabalhar 30 horas semanais e sem ponto me parece uma coisa de outro mundo. A gente demitindo servidor terceirizado, controlando os gastos, e eles vêm dizer que querem qualidade de vida. Não conseguem convencer nem os servidores de que essa é uma causa pela qual vale a pena brigar.

Quantos servidores  estão trabalhando?
Não tenho o número exato, mas todos que têm cargo comissionado estão trabalhando. Acredito que, dos 2,5 mil servidores, cerca de 500 estão trabalhando.

O corte em 2016 será mais brutal?
Tudo indica que 2016 será um ano muito difícil. Tenho feito esforço grande pela austeridade orçamentária, para que as nossas contas caibam na receita.

A UnB chegou a essa situação por falta de atenção dos reitores anteriores?

Não sei o que aconteceu, mas, quando chegamos, o orçamento da UnB era de quase R$ 1 bilhão por ano com pessoal, e a parte de custeio, da ordem de R$ 210 milhões por ano, além de R$ 50 milhões por ano de investimentos. Em 2012, já havia esse gasto de custeio e a receita do MEC era da ordem de R$ 70 milhões. A receita do MEC para 2016 já é de R$ 150 milhões; temos mais R$ 30 milhões de aluguel, R$ 30 milhões do Cespe, da receita de concursos, esperamos que em 2016 haja um equilíbrio. A UnB hoje precisa  de investimentos na infraestrutura. Melhorar os restaurantes, aumentar o alojamento, melhorar a área de esporte. A nossa universidade deve parecer com as melhores do mundo.


Formatura na engenharia elétrica na UnB. Em 1989, Ivan Camargo volta à universidade como professor 

Esse modelo  tão vinculado ao governo, em que toda hora a UnB vai ao MEC de pires na mão,  é  o ideal?
Precisamos insistir na autonomia das universidades. As universidades poderiam gerenciar o seu dinheiro, como fazem as estaduais, que estão entre as melhores do Brasil. Essa mudança tem custos: todo esse movimento grevista, por exemplo, deixaria de ir para a Esplanada e passaria a ir para as reitorias. Mas os reitores das federais têm que assumir esse ônus, senão a gente não consegue mexer na estrutura. Gostaria de discutir a governança da UnB na própria universidade. Vamos ver quais são os caminhos, ninguém vai aparecer do céu e trazer a solução. E não adianta imitar Portugal, Estados Unidos ou França. Com a falta de autonomia e o governo pagando 100% das contas, ele se sente no direito, com razão, de definir quais são as caixinhas. E aí engessa completamente a administração. Temos de discutir isso com um pouquinho mais de seriedade. A UnB, que é por definição uma universidade de vanguarda, poderia ousar e abrir a discussão. Não tenho queixas do MEC, o ministério trata a UnB com muita consideração. Mas vale a pena uma discussão, ainda que a maioria dos reitores não queira.

O senhor vai concorrer à reeleição no ano que vem?
Felizmente, muitos amigos têm vindo à minha sala pedindo para eu me candidatar. Tenho dito  que, para repetir essa pauta que estou fazendo, não vou. É muito duro falar não para sindicato, cortar gastos, reduzir terceirizados, dizer não para os diretores. Essa pauta que tenho feito há três anos é muito desgastante. Mas, se a gente conseguir construir um projeto, com uma pauta, por exemplo, de radicalizar na autonomia, aí é para a universidade deslanchar, e não para voltar ao trilho.

Nos últimos três anos, a UnB perdeu muito tempo com questões burocráticas  e deixou de lado grandes missões, como ajudar a pensar a cidade?
A sensação que tenho é de que a universidade melhorou muito. Ela estava muito solta e colocamos ordem na casa. Quando fazemos isso, professores e estudantes conseguem trabalhar melhor. E estamos, sim, discutindo grande temas, debatendo assuntos relacionados à cidade.

Mas falta muito para chegar ao sonho de Darcy Ribeiro?
Falta muito... No último ranking internacional ficamos entre as 500 melhores, em 491° lugar, 60 posições melhor do que na última avaliação. Mas ainda está ruim, a universidade da capital do Brasil tem que estar entre as 20 melhores. E não vamos ficar se não discutirmos financiamento, governança, se não mudarmos regras.

Ainda é a sexta do Brasil, né? 
Poderia ser a melhor, tem tudo para isso. Temos os melhores alunos, os melhores professores, o corpo técnico é muito capaz. O potencial é enorme, mas precisa de uma sacudida para voltar a ser a melhor do Brasil.

A UnB é  a maior imobiliária de Brasília. Como esses terrenos podem ajudar nesta crise?
Nessa área, também tivemos que botar ordem na casa. A lei que criou a UnB diz que a gestão de seu patrimônio é feita pelo Conselho Diretor, que estava desativado. A universidade não podia nem fazer a gestão de seu patrimônio porque não tinha o que a lei prevê como órgão colegiado de gestão. Recuperamos esse conselho, com pessoas muito competentes, e ele está fazendo seu trabalho. Uma das coisas que fizemos foi reajustar o aluguel, que estava subsidiado demais. Para a pauta deste ano, há previsão de novos prédios, novas construções, mas de uma coisa não abrimos mão: não vamos usar o dinheiro desse patrimônio em custeio, mas sim transformar em capital, para garantir o futuro da universidade. São 1,5 mil imóveis, que rendem cerca de R$ 30 milhões de receita com aluguéis.


Com Gisele: namoro e casamento na Universidade de Brasília. Ele, na   engenharia; ela, na biblioteconomia

Quantos podem ser vendidos este ano?
Temos dois grandes projetos: o terreno simétrico ao Brasil 21 (no Setor Hoteleiro Norte) e a 207 Norte. Todas as projeções são da universidade. Vamos iniciar a discussão de um projeto para essas áreas. Na próxima reunião do Conselho Diretor já teremos uma proposta. 

Em que áreas esses recursos poderiam ser usados?
A forma mais fácil é transformar um patrimônio em outro patrimônio, trocar terrenos por apartamentos, por exemplo. Aí você tem a receita desse patrimônio e investe na universidade. Se a gente conseguir pegar esse dinheiro de receita própria nossa e investir de uma maneira eficiente, será possível mudar a cara da universidade.

O senhor se ressente de a UnB não estar mostrando vanguarda. Que projeto caracteriza sua gestão?

Estou discutindo com meus colegas para ver se a gente consegue uma pauta, um projeto. Agora, a partir dessa nossa conversa, talvez esse projeto macro de autonomia. Talvez seja um projeto que encante e mobilize. Mas insisto que é uma pauta indispensável para a universidade voltar a funcionar. A universidade precisa de regularidade, de disciplina. Não me arrependo da pauta que conduzi, mas ela é muito desgastante, apesar de ser obrigatória para uma universidade pública se acertar em seu orçamento.

Nos 20 anos do PAS, a UnB deu muito crédito ao programa, aumentando as vagas. Isso é uma  tentativa de dar peso maior à seleção da própria universidade, já que a tendência das federais é se voltar para o Sisu, para o Enem?
Desde que era decano de graduação, os resultados dos alunos do PAS são os melhores da universidade. Quem passa no PAS é quem se dá melhor ao longo do curso. O projeto ainda será discutido, nossos conselhos vão discutir. Mas o PAS é a nossa entrada de luxo na universidade, de onde vêm os melhores alunos. Não há nenhum projeto de acabar com o PAS, pelo contrário.

O que já deu para organizar e o que está pendente?
Uns 80% estão arrumados. 2016 será um ano bom, esperamos que, no ano que vem, a questão orçamentária de custeio esteja equilibrada. Queremos garantir que, ao fim do ano, teremos dinheiro para pagar contratos terceirizados. Não saber se vai ter dinheiro é muito desgastante para um gestor. Eu não durmo há três anos. Quando vejo problemas do GDF e do governo federal, muito maiores do que os meus, penso que nem o governador nem a presidente devem estar dormindo.

Que análise faz  das dificuldades que o governador Rollemberg enfrenta?
Gosto muito do Rodrigo e tenho muita confiança no trabalho que ele vem fazendo. Até porque ele é ex-aluno da UnB e acredito na nossa formação. Como parlamentar, ele defendia muito a universidade. A situação é dificílima, sem dúvida. Mas acredito nele, acredito na seriedade da equipe dele, tenho muita esperança.

Há muitas críticas com relação às cotas, muita gente reclama que há excessos...
Sou muito orgulhoso da cota da UnB. Ela tinha uma coisa positiva , que premiava a autonomia, a vanguarda. Nós optamos por esse modelo, que mudou a cara da universidade. Fez tanto sucesso que aí veio o Poder Legislativo e baixou uma cota global. Não tenho nada contra, mas deixou tudo igual. Preferia muito mais a nossa. Isso é reduzir a autonomia da universidade de definir para onde ela vai. Quando o legislativo define isso, você restringe a autonomia das universidades.

Para uma pessoa pragmática é  mortal viver essa incerteza, essa gestão emperrada, essa greve, não?
Dá uma aflição muito grande. Mas o que mais me incomoda não é isso. É a violência. A violência física, o vandalismo. São grupos mínimos, a exceção da exceção entre servidores e estudantes. A sensação que se tem numa invasão da reitoria é horrível. Na primeira, eu estava lá, caíram meus óculos, é agressão física. Entram as pessoas com bumbo, xingando o reitor de ladrão. O que é isso? Como é que pode? Essa agressão é muito dura, muito ruim.

É o movimento estudantil?
Não. É um movimento que não tem expressão nenhuma dentro da universidade e julga que vai conseguir alguma coisa pela força. A sensação que tenho é de que é um movimento de pequenos partidos políticos. Hoje, eu não faço mais reuniões com esses grupos, mas, nas primeiras reuniões, eu era um reitor calouro, e tinha conversas do tipo: “Ivan, não estamos aqui para conversar, estamos aqui para te derrubar. E você não vai sair dessa sala antes de assinar o que a gente está mandando.”

Como professores, funcionários e alunos enxergam isso?
Negativamente. Passamos por duas invasões, na primeira eu estava presente, a segunda foi mais dura ainda, com todo mundo encapuzado. E aí teve um movimento contrário, de professores, alunos e servidores que ocuparam lá para tocar música. Foi um momento simbólico.

Qual é a cara do estudante da UnB hoje?
É uma pergunta muito difícil, até porque o viés que tenho é o da Faculdade de Tecnologia. Passei 20 e poucos anos dando aula. Nunca aconteceu de um aluno levantar a voz com um professor e aí, de repente, vêm  uns caras com um bumbo gritar para cima de mim. Você tem um choque. Mas o nosso aluno continua muito bom. Tem algumas áreas de excelência que chamam a atenção. A impressão que tenho é de que eles não estão com tanta pressa para se formar. Há uma retenção muito maior, querem aproveitar o tempo na universidade e vão fazer um estágio fora. Não há aquela necessidade de se formar logo.

A UnB perde mais alunos por evasão do que por formatura. Por que eles estão abandonando os cursos?
Estamos fazendo um estudo detalhado sobre isso. Os gráficos mostram que aumentou muito a entrada de alunos e a saída não cresceu tanto. Vários motivos explicam isso. Um deles é que, quando você aumenta o número de alunos, entram pessoas menos preparadas. Se você não mexer na sua estrutura pedagógica elas vão marcando passo. Há essa questão do novo aluno não estar com pressa. E há ainda a mudança de curso. Muita gente troca, e com razão, porque com 17 anos você não sabe o que você vai ser quando crescer.


Com a mulher e os três filhos: as filhas Natalie e Laura, já formadas na UnB, em medicina e arquitetura. O filho, Felipe, cursa engenharia ambiental

Nasci em Rezende (RJ). Vim para cá com 9 anos, em 1970, e fui morar na 104 Sul, saindo do Rio, aquele mundo de carro, aquele mundo de gente, em que você não podia jogar bola. Aí você chega aqui e fica encantado: ter uma quadra de futebol só para você é uma sensação muito boa. Estudava na Escola Classe 305 e teve uma comemoração dos 10 anos de Brasília. Pediram para os alunos escreverem uma frase sobre a cidade.  Escrevi: “Todas as crianças brincam em Brasília”.  Ganhei o prêmio, era uma bicicleta. De lá para cá tive pequenas saídas, saí para mestrado e doutorado, mas desde 1970 me considero brasiliense. Em 1984, fui para a França fazer doutorado. Ainda não era professor da UnB. Só voltei depois que defendi o doutorado, em 1988. Entrei na UnB como professor em 1989. Adoro a vida de professsor. Gostava muito de dar aula.

É um fenômeno que se intensificou?
Esses fenômenos de mudança de curso e de dificuldade de evoluir no curso se intensificaram, mas as curvas das outras federais estão muito parecidas. Talvez seja o nosso maior problema acadêmico hoje: tentar entender exatamente o que é essa evasão  e combatê-la para aumentar o número da saída da universidade, que tem um custo enorme, ainda mais se você está preocupado com eficiência e com o seu orçamento.

Os bons professores estão perdendo a paciência de dar aulas? Isso contribui para desestimular os alunos?
A nossa universidade é para formar, o objetivo dela é esse. É inaceitável o aluno ir a uma sala de aula e o professor não estar lá. Não tem perdão. O professor tem que ir a congressos, mas ele sabe com antecedência. Se ele não vai estar lá, tem que avisar, deixar um trabalho, colocar um substituto. A sala de aula é fundamental. Essa questão da motivação é difícil de a gente dar porque existe, de fato, uma sinalização na carreira acadêmica de que o que vale é o artigo publicado. Então, os grandes professores da sala de aula, às vezes, até ficam magoados, porque não conseguem progressão funcional, por exemplo. A universidade tem que tomar cuidado, porque há uma diversidade muito grande, nas diversas áreas e nos diversos professores. A gente tem que conseguir, sem diminuir o mérito acadêmico, progredir o bom professor e não progredir os picareta. Tendo a incentivar esse craque da sala de aula, que cativa os alunos, o cara que é paraninfo ou patrono da turma. Isso, para mim, tem um peso muito forte e desestimula a evasão.

Isso é uma coisa que a reitoria pode influenciar ou é uma questão nacional, da carreira docente?
Dá para incentivar os professores na carreira da sala de aula. Tem outros que são muito ligados às atividades de extensão, que também são muito importantes. Podemos fazer isso. Agora, as sinalizações dos órgãos de fomento, que dão bolsas para o cara que tem produção A, B ou C, essas são de responsabilidade do governo.

É preciso mudar  esse modelo, então?
Não é um modelo completamente falido, pois aumentou a produção. O que precisa é deixar claro que  há professores com características diferentes. Precisamos reconhecer cada professor na área em que ele se destaca mais.

O Brasil é uma pátria educadora?
Não. Fala-se muito em crise na educação. Eu não acredito nisso. Nós nunca fomos bons. Mas falar isso com a nossa classe de professores é dificílimo. Reconhecer que está ruim é o primeiro passo para melhorar, mas é muito difícil. É uma crise que vem há muito tempo. Cinquenta por cento dos nossos alunos do ensino fundamental terminam sem saber ler. É inaceitável. Precisamos melhorar muito e melhorar a formação do professor. E aí, uma coisa que o reitor pode fazer politicamente, pois a  função do reitor é muito política, é participar de todo evento de formação de professor. Eu sempre estou presente.

E a preparação para o mercado de trabalho?
Muita gente tem a nostalgia de um passado que não existiu.  Não tenho. O novo estudante é um bom estudante. Tenho que reconhecer que há alguns cursos com dificuldade, com maior evasão. Quanto ao mercado, o retorno que tenho pode estar um pouco enviesado, porque as pessoas tendem a elogiar e falar dos bons alunos que estão sendo formados. E uma coisa que me parece bacana na UnB é que, normalmente, o mercado diz que o aluno da UnB se vira bem. 

Faltam cursos mais atraentes?

Uma das nossas falhas no Reuni (Reestruturação e Expansão da Universidades Federais) foi ter nos fechado muito na definição dos novos cursos. Foi muito interna a discussão, e a discussão correta é perguntar para a sociedade o que as pessoas estão procurando. Você fazer um curso em que o aluno não se inscreve é inaceitável. E temos, infelizmente, alguns casos de sobra de vagas. 

O salário de professor ainda é uma coisa que envergonha?
Talvez os meus colegas briguem comigo, mas eu acho que não. Eu sempre ganhei mais do que eu merecia. Eu tenho uma vida muito boa, sempre tive. A universidade funciona bem com um salário médio. Até gostaria que tivesse a possibilidade de você buscar pessoas excepcionais para dar uma aula, mas não foi essa decisão que a nossa universidade pública tomou. Então, não podemos imaginar que o salário médio do professor seja excepcional. Estamos com  um salário muito razoável. Os nossos colegas da Europa ganham menos. Estive em Harvard agora e o professor médio em Harvard ganha menos. Evidentemente que nós temos expoentes que ganham três vezes mais em uma ou outra universidade. Não consigo ver, hoje, motivos salariais para qualquer tipo de greve, e foi isso que os professores da UnB decidiram. E me incomoda muito esse discurso de que professor é coitadinho. Professor não é nenhum coitadinho.

Mas é muito difícil fazer pesquisa no Brasil, que não tem as condições ideais, não é?

Não tem. Você fazer compra na UnB é uma luta. Você não pode, num projeto de pesquisa, esperar seis meses para comprar um reagente. Conseguimos fazer pesquisas incríveis mesmo com uma bola de ferro amarrada ao pé. Precisamos é confiar mais no professor, tirar essa bola de ferro e deixar ele trabalhar.  

Quando olhamos para a base também vemos sucessivas greves. Neste caso, o professor também não é coitadinho?
Não ousaria falar da base. Não tenho dados para isso. Tenho dados do professor universitário, que, atualmente, está numa situação confortável.

Houve um tempo, sem greves, em que a UnB era considerada um lugar onde você não poderia deixar de estar. Esse orgulho persiste?
A UnB tem grandes professores, mas o que temos de melhor são os alunos. Temos o monopólio do melhor aluno, e isso faz toda a diferença numa universidade. Não sei se o carinho e o respeito à universidade caíram, mas os professores, nesse tempo de muita greve, estão reconhecendo que está na hora de dar uma parada. Nesses três anos que estou na administração, nenhuma aula foi interrompida, não aconteceu nenhuma greve de professores.

Há risco de greve para a frente?
Sempre tem. Na semana passada houve uma assembleia em que foi mais uma vez discutida a greve dos professores. E, claramente, foi eliminada a possibilidade de uma greve agora.

Como o senhor lida com uso de drogas, festas, uso dos CAs e presença da polícia no câmpus?
A liberdade é fundamental. Não se questiona a liberdade de o estudante se manifestar e pensar diferente. Mas nós temos uma questão muito séria de violência física. Tivemos o caso de uma menina que saiu do carro e levou uma paulada de um morador de rua. Não existe a possibilidade de  não chamar a polícia em casos de violência. Assim como não existe a possibilidade de você chamar a polícia para restringir qualquer tipo de movimento.

Ainda existe essa mentalidade de que a polícia é inimiga?
Ainda tem, mas, para cada aluno que fala não à polícia, eu ouço 10 que falam sim. Temos que equilibrar a indispensável liberdade com a garantia de segurança.

O senhor se refere ao furto, à agressão… Mas, e a bagunça, a bebida, como se lida com isso? Há três anos, estamos lidando com muita firmeza, reprimindo mesmo. Depois de uma festa, sempre tínhamos pelo menos três salas de professores e dois laboratórios arrombados. Outra distração era esvaziar os extintores de incêndio, e aí, para encher, era licitação, dinheiro etc. Era uma ação de vandalismo completo num espaço público acadêmico, então precisamos combater com muita firmeza. Só admitimos festas autorizadas pelos diretores. Temos um problema enorme com os CAs fora do espaço físico da faculdade do curso. Quando o CA está no seu curso, os alunos respeitam os professores. Mas quando são professores de outro curso não respeitam.  

E a questão do comércio no ICC? Como está a transferência?

Essa é uma luta. Aquele comércio foi uma invasão absolutamente prejudicial à vida acadêmica na universidade. Transformou as entradas Norte e Sul, que eram lugares livres, lindos, onde Plebe Rude tocou, Capital Inicial tocou; era um lugar de arte, lazer, onde as pessoas se encontravam. Transformaram aquilo num comércio ocupado por terceirizados de terceirizados. Evidentemente, as pessoas conhecem esses comerciantes e têm algum cuidado com eles, então tentamos transferi-los para um local adequado. Ainda não conseguimos, mas estou convencido de que recuperar o ICC, o Ceubinho, é  indispensável, porque nele, bagunçado do jeito que está, qualquer um se sente no direito de ir lá, colocar uma caixa de som e anunciar uma festa privada de um cara que nada tem a ver com a UnB. Então, voltar aquele espaço para uma característica acadêmica, que não pode atrapalhar o professor, é indispensável. Precisa colocar alguma ordem, alguma disciplina na universidade.

O que falta para desocupar? 
Todas as coisas na UnB têm de ser muito negociadas. Um grupo de estudantes fez um abaixo-assinado para não tirar. Mas não entendo. Os comerciantes estão privatizando uma área pública.

Tem um lobby forte…
Inclusive com parlamentares. Mas, evidentemente, não vai ter reitor na universidade que passe um trator, claro que não. 

Na história recente, a UnB foi usada de forma politico-partidária?
Sim. Um dos motivos que me fizeram me candidatar é que era considerado inimigo da universidade porque pensava diferente. Isso é inaceitável. A universidade é espaço para pensar diferente, para a diversidade, para a liberdade. Se você partidariza, a universidade vai por um caminho negativo.
Esse seu movimento de transformar a universidade,  disciplinar, não vai acabar prejudicando o senhor numa possível reeleição? 
Mexi muito, mas falei que ia mexer. Todas as mexidas foram discutidas em conselhos. Ouso dizer que a grande maioria na universidade achava que precisava de mudanças. O processo da reeleição é muito mais fácil do que a eleição, porque hoje as pessoas me conhecem; para o bem e para o mal, sabem o que eu consigo fazer e o que não consigo. Então, tenho a sensação que, se me candidatar, terei um bom apoio da universidade, dos três segmentos.

Como o senhor tem visto essa crise do governo federal?
É uma situação muito difícil,  pela falta de credibilidade. É preciso ter uma bandeira clara. Vai ter gente contra, gente a favor, mas cada ação precisa ter uma lógica. É muito grave perder a credibilidade, e não sei como se recupera. Precisa de uma postura muito clara e de muita transparência.

O reitor por ele mesmo
Nasci em Rezende (RJ). Vim para cá com 9 anos, em 1970, e fui morar na 104 Sul, saindo do Rio, aquele mundo de carro, aquele mundo de gente, em que você não podia jogar bola. Aí você chega aqui e fica encantado: ter uma quadra de futebol só para você é uma sensação muito boa. Estudava na Escola Classe 305 e teve uma comemoração dos 10 anos de Brasília. Pediram para os alunos escreverem uma frase sobre a cidade.  Escrevi: “Todas as crianças brincam em Brasília”.  Ganhei o prêmio, era uma bicicleta. De lá para cá tive pequenas saídas, saí para mestrado e doutorado, mas desde 1970 me considero brasiliense. Em 1984, fui para a França fazer doutorado. Ainda não era professor da UnB. Só voltei depois que defendi o doutorado, em 1988. Entrei na UnB como professor em 1989. Adoro a vida de professsor. Gostava muito de dar aula.

Sempre fui muito estudioso, muito disciplinado, talvez pela minha formação. Sou um cara muito certinho. Também sou muito tímido, falo pouco. Gosto de esporte, jogo tênis.  A corrida tem seu valor. Já treinei para três maratonas no Parque da Cidade, que é um dos lugares que adoro. Tem que ter muito fôlego para o treino. Acho bacana essa história da disciplina, de se propor e fazer. 

Namorei e me casei na UnB, era da engenharia e minha mulher, da biblioteconomia. Tenho 55 anos, três filhos e três netos. A filha mais velha se formou em medicina na UnB; a segunda em arquitetura, e o terceiro está lá na engenharia ambiental. Essa história de ser reitor tem outra coisa boa: há três semanas, veio um professor de Harvard; depois, veio uma professora da Universidade de Paris; depois, um de Berlim. Cada um fala sobre um assunto diferente, cada um mais fascinante do que o outro. O que vejo em comum em todos esses grandes intelectuais do mundo é isso: todos leem muito. Ter contato com todas essas pessoas é fantástico.


"Fala-se muito em crise na educação. Eu não acredito nisso. Nós nunca fomos bons.”

"Temos os melhores alunos, os melhores professores, o corpo técnico é muito capaz. O potencial é enorme, mas precisa de uma sacudida para voltar a ser a melhor do Brasil.”

"Em qualquer universidade do mundo, na França, na Espanha, há um investimento em logística, em laboratório, na biblioteca; nossa verba é destinada para pessoal.”

"Não saber se vai ter dinheiro é muito desgastante para um gestor. Não durmo há três anos. Quando vejo problemas do GDF e da União, penso que nem o governador nem a presidente devem dormir.”


Fonte: Ana Dubeux, Cristine Gentil, Helena Mader e Mariana Niederauer (especial para o CB) – Fotos: Arquivo/Família/Google

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