A Mapoteca do DF está em uma sala dentro da
construção da década de 1970, perto da Colina da UnB, onde antigamente
funcionava a Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto
"Uma pequena sala na Asa Norte guarda documentos
importantes para a cidade sem acondicionamento próprio até plantas
desenhadas por Lucio Costa estão lá. Situação é denunciada para o Ministério
Público e governo promete ação para impedir descaso"
Ação diz que local não tem "condições mínimas
de higiene e segurança"
Mapas e plantas urbanísticas que ajudam a contar a
história de Brasília estão guardados em um local improvisado, sem segurança e
cuidados adequados de preservação. Cerca de 20 mil documentos da chamada
Mapoteca do DF foram transferidos no ano passado de um prédio na W3 Sul para um
antigo edifício na Asa Norte. Os papéis já estavam acondicionados de forma
inadequada havia vários anos, mas especialistas dizem que o atual local de
arquivo representa um grave risco à documentação. O descaso com os antigos mapas
da cidade é histórico. Arquitetos não sabem onde estão papéis com incomparável
valor, como plantas desenhadas pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa, que
desapareceram há alguns anos. O GDF promete transferir a documentação para uma
sala adequada no Arquivo Público do DF.
Ontem,
entidades de defesa da preservação de Brasília e associações comunitárias
entregaram uma representação ao governador Rodrigo Rollemberg (PSB), à Câmara
Legislativa e ao Ministério Público do DF a fim de denunciar o problema. A Promotoria
de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural informou que vai apurar a
denúncia e garantiu ter pedido informações ao Buriti. O documento é assinado
por vários grupos, como os conselhos comunitários das asas Sul e Norte e do
Sudoeste, a Associação Parque Ecológico das Sucupiras, o Instituto Pactos de
Desenvolvimento Regional Sustentável, o Fórum das ONGs Ambientalistas do DF e o
Instituto Histórico e Geográfico.
Os
integrantes das entidades denunciam “a forma completamente inadequada” como
estão arquivadas plantas originais de projetos de parcelamento urbano,
paisagísticos, memoriais descritivos e projetos complementares de todo o DF.
“Literalmente jogadas às traças e aos ratos”, diz a representação. As entidades
criticam o local de abrigo dos documentos, “um ambiente completamente
desprovido das condições mínimas de higiene e segurança para tão precioso
material”.
O novo
endereço da mapoteca fica escondido em um espaço próximo à Colina — conjunto de
prédios habitacionais da Universidade de Brasília (UnB). No local, já funcionou
a Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto. A edificação, um prédio da
década 1970, apresenta desgastes do tempo. É possível observar problemas
elétricos, como fiações expostas e falta de manutenção predial: as portas estão
enferrujadas e há falhas no assoalho. Uma sala de cerca de 35m² é o espaço
destinado aos mapas da capital. O ambiente é muito quente, mesmo em uma tarde
fresca de outono.
Ontem,
por volta das 16h30, havia dois vigilantes no local. “A gente fica sempre
atento ao que está acontecendo. Aqui é meio isolado e sempre tem pessoas
rondando”, contou um vigia. As grades que cercam o órgão são antigas e os
portões, frágeis.
Fotos
Na denúncia entregue ao GDF, ao MPDFT e à Câmara, os especialistas anexaram
fotos que mostram a péssima situação dos arquivos urbanísticos da capital. “Não
há nenhuma sinalização ou placa informando a atual destinação do prédio. A
situação é ainda mais grave porque, em volta do local, há dezenas de moradores
de rua acampados, cometendo furtos e roubos. O lugar é de difícil acesso e quem
quer procurar algum documento tem muita dificuldade de encontrá-lo”, conta
Heliete Bastos, líder comunitária da Asa Sul.
Os
autores da representação dizem que, até meados dos anos 2000, a Mapoteca do DF
funcionava no Anexo do Palácio do Buriti. Em seguida, os documentos foram
transferidos para um prédio do Setor Comercial Sul e, no governo passado, o
acervo seguiu para a 507 Sul. Em 2015, houve a mudança para a 611 Norte.
Imagens do desleixo
Fotos anexadas no processo enviado para o MPDFT
mostram as condições do local onde mapas e plantas estão guardados: altas
temperaturas, ferrugem, sujeira e insegurança ao redor do prédio
"Tristeza enorme"
A arquiteta e urbanista Tânia Batella lembra que os documentos guardados
no local têm “um valor cultural incomparável”. “É a memória de Brasília que
está sendo desrespeitada”, lamenta a especialista. Ela conta que entre os
documentos com destino desconhecido está uma planta do arquiteto Lucio Costa.
“Não encontramos a planta original do Brasília Revisitada, documento do Lucio
Costa, por exemplo. A planta é essencial. A maioria dos documentos foi
digitalizada, mas precisamos do original. E não é só isso: eles precisam ser
guardados e preservados. Dá uma tristeza enorme”, acrescenta.
Filha de Lucio Costa, a também arquiteta Maria Elisa Costa confirma que o documento mencionado por Tânia Batella está desaparecido. “Eu nunca mais tive notícia do desenho de Brasília Revisitada, que foi feito sobre uma reprodução fotográfica do levantamento aerofotogramétrico da cidade, numa espécie de plástico, no qual se podia desenhar por cima. No acervo da Casa de Lucio Costa, há uma reprodução desse desenho, feita na época”, lembra Maria Elisa. “A impressão que eu tenho é que esse descaso se consolidou com o tempo, o que é uma pena”, acrescenta.
Em nota, a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) esclareceu que toda a documentação urbanística e cartográfica já está disponível em acervo digital. “Os documentos ativos, aqueles vigentes e usados como base de consulta para elaboração de projetos, podem ser acessados por endereço eletrônico. Já os documentos históricos podem ser consultados digitalmente, mas apenas mediante solicitação, já que o sistema é uma plataforma dedicada aos arquivos correntes.”
“Atualmente, a Segeth está em fase final de tratativas para a instalação da mapoteca numa sala do Arquivo Público do DF, onde continuará sendo guardada por servidores da secretaria e com melhor condicionamento dos documentos”, acrescenta a nota do governo. A Segeth informou ainda que, depois da migração, os arquivos “permanecem recebendo os cuidados necessários para sua manutenção enquanto aguardam a transferência para o Arquivo Público”.
Fonte: Helena Mader – Otávio Augusto – Fotos:
Rodrigo Nunes/Esp.CB/D.A.Press – FDF/Reprodução – Correio Braziliense