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ENTREVISTA » Romão Cícero: A Justiça avançou e hoje chega a todos


"A gente vê aqueles que no passado seriam quase intocáveis, a justiça está conseguindo chegar perto" - Com 36 anos de carreira, desembargador assume hoje a Presidência do TJDFT com uma defesa de postura técnica e transparente

*Por Ana Dubeux – Ana Maria Campos – Ana Viriato

Nascido na Serra da Borborema, no Rio Grande do Norte, o desembargador Romão Cícero de Oliveira, 70 anos, retirante nordestino, o segundo mais antigo da corte, e apaixonado por livros, assume hoje a Presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) para um o biênio 2018/2020. Para o magistrado, a Justiça avançou e hoje chega a pessoas que, no passado, não eram atingidas.

Discreto, o magistrado defende uma atuação técnica e de portas abertas, com total transparência. Romão chegou a escrever sua despedida para se aposentar e declinou da Presidência há dois anos. Mas voltou atrás pelo momento do país. Há 36 anos no tribunal, o juiz de carreira teve em seu gabinete processos de repercussão, como o crime da 113 Sul, o caso Ana Lídia e a prisão de policiais civis corruptos.

Albino, o magistrado tem parte da visão comprometida. Mas o que poderia ser uma fragilidade não o abala. Ele decora os comandos do computador e tem uma paixão pelo trabalho. Até nos momentos de relaxamento, opta pela leitura. Gosta de ler biografias e filosofia. Há cinco anos, não vai a um restaurante. Não por medo, mas por cautela. “Não me sinto seguro. Posso estar ao lado de um assaltante que condenei à tarde. Não são lugares adequados. Um juiz que julga matéria penal tem de tomar cuidado. Eu julgo o processo, mas não guardo o rosto de ninguém. As pessoas, contudo, guardam”.

Como o senhor vê o  debate em relação às decisões judiciais nas redes sociais?
Acredito que o juiz seja uma criatura humana como qualquer outra, mas não pode querer ser ovacionado, amado nem odiado. Juiz é aquela pessoa que se reveste de um comportamento puramente técnico. 

Alguns temas despertam comoção na sociedade. Esse apelo sensibiliza?
Depende de cada um e do enfoque que cada um vai dar. O juiz é um ser humano. Não há dúvida. Então, ele tem as cargas psicológicas, de emoções, de sofrimento. Tudo isso afeta o juiz, mas o que ele não pode... digo eu, Romão, juiz, não posso me posicionar como eu, Romão, cidadão. 

A  justiça evoluiu nos últimos anos?
A justiça evoluiu substancialmente. Aqui mesmo no DF temos o processo judicial eletrônico com 600 mil feitos. Isso é uma evolução muito grande para todos nós. Essa é a evolução do ponto de vista econômico. Do ponto de vista de aproximação da justiça, atingindo a todos, nós estamos vendo, embora com alguns atrasos, algumas pessoas que, num passado recente, não seriam atingidas pela baila da justiça. Hoje a gente vê aqueles que no passado seriam quase intocáveis, a justiça está conseguindo chegar perto. Isso porque as provas técnicas ficaram bem mais fáceis e econômicas. Nós temos uma produção de informações bem mais rápidas e bem mais seguras. 

A decisão do STF com repercussão geral relacionada à execução de penas a partir de condenações em segundo grau melhorou o sistema de justiça? 
É polêmica e por isso mesmo nós não devemos nos manifestar, porque o tribunal está para decidir a matéria e juiz não deve pronunciar nada que venha a interferir no julgamento de outrem. 

Mas houve muitas execuções de penas depois dessa decisão? O tribunal tem algum levantamento sobre isso?
Estatisticamente falando, não tenho. Mas nós temos aplicado e isso, para o leigo, gera alguma intranquilidade. Isso realmente cria um sentimento de que o Estado ficou mais rigoroso. Eu temo, sim, que a norma contida no artigo 5° da Constituição, inciso XVII, sendo aplicado não se corra o risco de alguém cumprir dois ou três anos de pena e depois o STJ — que revisa algumas decisões de tribunais — venha a declarar a nulidade do processo. Esse é o risco. Porque o ser humano sempre erra, não é mesmo? Então um tribunal pode errar e aplicar uma determinada decisão que importe em recolhimento ao cárcere após a decisão em segundo grau e tenha um vício de legalidade. Para não ir longe, tivemos o julgamento do ex-senador Demóstenes Torres em que houve a concessão da ordem  para que ele tenha garantido o direito de concorrer. Já pensou se aquilo fosse matéria penal? Tenho algum receio de que a aplicação algum dia traga esse prejuízo. Mas a mim não incomoda. Aplico o último raciocínio que vier do Supremo.

No caso do ex-presidente Lula, que está preso, se a condenação for revista em tribunal superior, isso pode virar comoção nacional?
Acredito que não pode. Se porventura mais tarde se decretasse um erro judicial, jamais poderia haver comoção social maior do que já teve. Isso não poderia pelo quadro de ele ser ex-presidente da República. Aconteceria a indignação de qualquer cidadão. A marca pessoal não pode gerar comoção.

O fato de ele ter sido presidente não muda a visão do magistrado?
Acredito que não. Nelson Mandela cumpriu mais de 20 anos de prisão. Depois, ali foi por um motivo nitidamente político, mesmo assim ele voltou ao Estado depois de se livrar do cárcere e chegou a dirigir o Estado novamente. São incidentes da vida.

Mas o que os petistas dizem é justamente que ele tem uma prisão politica…
Aí é uma versão. Nós temos o fato verdade e a versão do fato. Temos que ter o cuidado de deixar transitar somente a verdade.

Como o senhor analisa a postura do juiz Sérgio Moro? 
O juiz é proibido de analisar a conduta de outro juiz. Nenhum juiz pode fazer essa avaliação, a não ser que esteja na condição de aplicador disciplinar. 

Parte da população o toma como herói. Isso é bom ou ruim?
Nem é bom nem ruim. Seria ruim se ele quisesse ser o herói. Não acredito que esteja se comportando assim, porque, na hora em que um cidadão faz algo para ser herói, ele deixa de sê-lo. O heroísmo é um ato que vem a posteriori. Agora, a população tem o direito de estabelecer parâmetros. Se abrirmos alguns jornais que publicam pesquisas, vamos ver que temos uma pessoa recolhida ao cárcere aparecendo com mais de 30% da preferência eleitoral. O mundo lhe dá mais de 2 mil pedidos para que essa pessoa receba o Prêmio Nobel da Paz, como escrevem. O povo tem o direito de se manifestar como melhor lhe convier. 

Alguns processos andam e outras, não. Por exemplo, nove anos depois, não existe nenhuma condenação criminal em segunda instância da Caixa de Pandora. Na Lava-Jato,  já têm pessoas cumprindo a pena. Por que isso acontece?
O caso específico daqui, digo eu, que sofremos alguns entraves com a realização de perícias determinadas pela Corte superior. A realização dessas perícias atrasou o andamento. Mas temos algumas pessoas condenadas na esfera da improbidade administrativa, por exemplo. Agora, a perícia que foi determinada tem travado bastante a conclusão dos feitos da área criminal. E não é só isso. Há aquela sequência de recursos. Isso gera descompasso entre um processo e outro. Esse processo, inicialmente, ficou no STJ. Mais tarde, quando o último perdeu o posto de conselheiro do Tribunal de Contas, que as ações vieram para cá. O país tem 200 milhões de habitantes e poucos juízes. 

O foro especial atrapalha o andamento, na sua opinião?
A Justiça não deve ter um plano de aplicar ou não aplicar a norma com determinada velocidade. Primeiro, teríamos de alterar a legislação vigente. Tínhamos de estabelecer a perpetuidade da jurisdição (se começou em um tribunal, termina nele). Aqui, tivemos um caso de uma pessoa da Paraíba que disparou a arma contra a outra. A pessoa era o governador do estado, muito prestigiado. Ele conseguiu um habeas corpus no STJ por volta de 21h. Para se prender um governador naquele tempo, tinha de ter a licença da assembleia. Ele se elegeu senador, cumpriu o mandato. Foi processado no Supremo. Em seguida, estava cumprindo o mandato de deputado federal. A matéria estava para ser julgada no Supremo. Neste momento, ele disse: “Quero ser julgado pelo povo, pelo Tribunal do Júri” e renunciou. 

Essa história não é um exemplo perfeito de como o foro pode atrapalhar?
É. Ele morreu sem julgamento. Mas a lei é essa que temos. Não me preocupo se a lei é a melhor ou pior. Quem tem de se preocupar com a qualidade da lei é o legislador. 

Um juiz brilhante pode ser um bom presidente da República?
Mesmo sem ser brilhante. José Linhares foi um período muito bom. Era um juiz brilhante, era um servidor do Judiciário, passou a ser juiz, chegou à presidência do Supremo e, quando assumiu a presidência da República, foi brilhante. Quem reestabelece a democracia num país é brilhante. Porque a democracia é uma plantinha que, com facilidade, se desfaz. 

O senhor acha que vivemos momentos difíceis e arriscados em relação à democracia?
Respondo à sua pergunta com os versos de Thiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar. Vem comigo, companheiro, a cor do mundo mudar. Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar”.

O que vai mudar no TJDFT a partir de segunda-feira [hoje]? O que o senhor pretende fazer de novo nessa gestão?
O Tribunal está em boa direção, num bom rumo.  Temos de conservar o rumo que o Tribunal vem seguindo. Evidente que tudo depende de ampliação. Por exemplo, o PJE [Processo Judicial Eletrônico] tem um resultado muito bom, mas precisa ter a implementação totalizada. Nós devemos criar centrais únicas de mandados, mas isso depende de passos miúdos. Vamos começar esse trabalho com as Varas de Fazenda Públicas. Vamos cuidar da legalização dos 32 imóveis que o TJDFT dispõe, porque alguns têm pequenas irregularidades. Faremos um estudo para que a energia solar, que no DF é abundante, seja aproveitada para alimentar o nosso movimento elétrico na próxima gestão. 

E a relação com os outros poderes? 
O Tribunal haverá de caminhar ombro a ombro com o Ministério Público, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com a Procuradoria-Geral, pois essas instituições são indispensáveis. Não porque a Constituição estabelece, mas porque são pilastras essenciais para o andamento da Justiça. E com o jornalismo. Os jornalistas terão absoluto acesso. Trabalhamos à base da clareza. Transparência, essa será a regra.  Não pretendo fechar portas de gabinete ou pronunciar palavras que não possam ser escutadas do alto das torres. 

Como tornar mais rápidos os desfechos das ações em desfavor dos políticos? Na Dracon, em primeira instância, as defesas estão prestes a ter de entregar as alegações finais. Na segunda instância, terá início o processo de instrução. 
A marcha do processo depende do chamado contraditório. Não é pela vontade do juiz. O juiz não faz o que quer, nem deixa de fazer algo porque não quer o resultado. Essa é a regra. Se o advogado fizer alguma petição que tenha fundamento, o processo vai passear e o juiz não pode ficar careca por causa disso. A lei que garante essas manobras, estratégias e jogos de conveniência. O juiz não pode pisar no acelerador ou no freio. Conduz o processo conforme é obrigado a fazê-lo. Se frear o processo, deixa de ser juiz. 

Acha certo os juízes fazerem greve para exigir aumentos ou o auxílio-moradia?
Não temos autorização para fazer greve. Da minha parte, se a lei não nos autoriza, não participo de greve. Mas não tenho o poder de censurar colegas de outra instituição. 

O senhor é favorável ou contrário ao auxílio-moradia?
Eu recebo auxílio-moradia. Não sei é se o instituto está bem delineado. Alguém disse que recebe auxílio-moradia porque os vencimentos estão congelados desde 2015. Eu digo: recebo auxílio-moradia, porque há uma decisão judicial estabelecendo que receba. Ninguém me perguntou se eu quero receber. O juiz apenas responde às perguntas de protocolo para garantir o direito. Não posso me opor à decisão judicial. Agora, sou contra a política que fora feita para tirar as divisas dos juízes. As divisas, antigamente, eram feitas pelos quinquênios. O que faz a distinção de um juiz com 0 dia de serviço e um juiz com 36 anos seriam os quinquênios. Distorções como essa deveriam ser resolvidas. E não a ideia de que, se não houve aumento, é necessário que pague auxílio-moradia. Ouvi isso com certa tristeza. Significa, nas entrelinhas, que ele reconheceu que o auxílio-moradia é ilegal. O que não é. 

Fala-se que a Justiça só serve contra três Ps: pretos, prostitutas e pobres. Como o senhor encara esse pensamento?
A Justiça serve para impor obrigações ao marido violento, serve para impor a pensão alimentícia àqueles que deixam os filhos, serve para decretar preventiva, inclusive, de policiais perigosos… Houve, com a devida licença de quem pronunciou esses três Ps, que a mim, me parece um infeliz aforismo, a Justiça serve para muito mais e para casos essenciais. Se alguém tem essa opinião, é uma questão pessoal.



(*) Ana Dubeux – Ana Maria Campos – Ana Viriato – Foto: Luis Nova/C.B./D.A.Press - Correio Braziliense


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