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Cristovam Buarque: "Um produto de Brasília"

Em fins de março, o Correio Braziliense publicou série de reportagens sobre os 18 anos da faixa de pedestre e a bem-sucedida campanha Paz no Trânsito. Na próxima semana, em 25 de abril, vamos comemorar 20 anos do pagamento da primeira bolsa-escola, a primeira de centenas de milhões que foram pagas desde então em pelo menos 30 países. Só no Brasil e no México pode-se estimar mais de 1 bilhão. Recentemente, outra ideia surgida em Brasília tornou-se realidade.

Em 2009, no Encontro das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Copenhague, apresentei a ideia de que os políticos do século 21 não teriam condições de oferecer opções para os problemas contemporâneos, globais e de longo prazo, enquanto a mente política continuar prisioneira dos interesses imediatos dos eleitores locais. Os problemas do mundo ficaram integrados por cima das fronteiras nacionais, mas a cultura política continua amarrada ao espaço regional e aos prazos eleitorais.

Diante dessa constatação, o arquiteto brasiliense Tom Rebelo sugeriu que os políticos deveriam criar o movimento Parlamentares sem Fronteiras, na busca de entender e construir alternativas para os problemas do mundo global. Para levar a ideia adiante, escolhi concentrar o novo movimento na defesa dos direitos das crianças e procurei, como parceiro, o indiano Kailash Satyagarth, com quem, há 15 anos, levamos adiante a luta contra o trabalho infantil no mundo.

Em 2013, durante conversa com ele, em Brasília, na casa de Lelio Bentes Côrrea, amigo em comum, sugeri que juntos criássemos o Movimento Parlamentares sem Fronteiras, pelos direitos de cerca de 1 bilhão de crianças excluídas dos direitos fundamentais. Moralmente, esse é um problema de toda a humanidade e, tecnicamente, sem solução dentro de cada país. Em 2014, graças ao esforço de retirar do trabalho, da prostituição e da escravidão dezenas de milhares de crianças e adolescentes, Kailash recebeu o Prêmio Nobel da Paz, facilitando com isso nosso trabalho.

O movimento concebido por nós, em Brasília, foi fundado em 27 e 28 de março de 2015, quando foi possível fazer, na cidade de Kathmandu, no Nepal, a primeira reunião do Movimento Parlamentares sem Fronteiras pelo Direito das Crianças do Mundo. Na carta de constituição do movimento, ficou decidido que os parlamentares ali reunidos passariam a considerar as crianças carentes como problema mundial, não apenas nacional, e lutariam por medidas necessárias para que todas as crianças tenham escola e tempo para estudar.

Na coletiva de imprensa concedida após a reunião, Kailash disse que “além de estarmos lutando pelos direitos das crianças, estamos iniciando cultura política, em que os problemas planetários e de longo prazo passam a ser considerados pelos parlamentares nacionais”.

Em meu discurso final disse que nosso objetivo não exige tanto esforço físico quanto escalar o Monte Everest, próximo de onde nos reunimos, mas exige mais idealismo e confiança. Não vamos escalar 8.500 metros, mas vamos lutar para atender aos direitos de 1bilhão de crianças. A tarefa exige mais do que vencer a força da gravidade e a falta de oxigênio; exige vencer a incompreensão dos que não veem os problemas do mundo como seus problemas.

O provincianismo e o imediatismo são um comportamento lógico da cultura política. Por isso, o dr. Muhamed Çetim, deputado da Tuquia, quando discutimos a realização da próxima reunião, em 2016, na Holanda, perguntou com certa ironia: “Quantos de nós aqui seremos reeleitos em nossas próximas disputas eleitorais?”. Felizmente alguém lembrou: “Se um escalador do Everest disse um dia que fazia aquilo apenas porque o Everest estava lá, nós começamos o Movimento Parlamentares sem Fronteiras pelos Direitos das Crianças do Mundo porque as crianças estão lá, abandonadas no mundo”. A tarefa do movimento é difícil, no entanto, quando concretizada, deixará marca profunda no mundo.

Para levar os planos adiante, foi instituído um secretariado mundial, sediado em Brasília, onde a ideia nasceu, e também em Kathmandu e Nova Délhi. É desafio à nossa cidade, reconhecida, naquela reunião, por ter criado e entregue, 20 anos atrás, sob muito descrédito, a primeira bolsa-escola.



*Cristovam Buarque
Professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.  

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