Em fins de março, o Correio Braziliense publicou série de
reportagens sobre os 18 anos da faixa de pedestre e a bem-sucedida campanha Paz
no Trânsito. Na próxima semana, em 25 de abril, vamos comemorar 20 anos do
pagamento da primeira bolsa-escola, a primeira de centenas de milhões que foram
pagas desde então em pelo menos 30 países. Só no Brasil e no México pode-se
estimar mais de 1 bilhão. Recentemente, outra ideia surgida em Brasília
tornou-se realidade.
Em 2009,
no Encontro das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Copenhague, apresentei
a ideia de que os políticos do século 21 não teriam condições de oferecer
opções para os problemas contemporâneos, globais e de longo prazo, enquanto a
mente política continuar prisioneira dos interesses imediatos dos eleitores
locais. Os problemas do mundo ficaram integrados por cima das fronteiras
nacionais, mas a cultura política continua amarrada ao espaço regional e aos
prazos eleitorais.
Diante
dessa constatação, o arquiteto brasiliense Tom Rebelo sugeriu que os políticos
deveriam criar o movimento Parlamentares sem Fronteiras, na busca de entender e
construir alternativas para os problemas do mundo global. Para levar a ideia
adiante, escolhi concentrar o novo movimento na defesa dos direitos das
crianças e procurei, como parceiro, o indiano Kailash Satyagarth, com quem, há
15 anos, levamos adiante a luta contra o trabalho infantil no mundo.
Em 2013,
durante conversa com ele, em Brasília, na casa de Lelio Bentes Côrrea, amigo em
comum, sugeri que juntos criássemos o Movimento Parlamentares sem Fronteiras,
pelos direitos de cerca de 1 bilhão de crianças excluídas dos direitos
fundamentais. Moralmente, esse é um problema de toda a humanidade e,
tecnicamente, sem solução dentro de cada país. Em 2014, graças ao esforço de
retirar do trabalho, da prostituição e da escravidão dezenas de milhares de
crianças e adolescentes, Kailash recebeu o Prêmio Nobel da Paz, facilitando com
isso nosso trabalho.
O
movimento concebido por nós, em Brasília, foi fundado em 27 e 28 de março de
2015, quando foi possível fazer, na cidade de Kathmandu, no Nepal, a primeira
reunião do Movimento Parlamentares sem Fronteiras pelo Direito das Crianças do
Mundo. Na carta de constituição do movimento, ficou decidido que os
parlamentares ali reunidos passariam a considerar as crianças carentes como
problema mundial, não apenas nacional, e lutariam por medidas necessárias para
que todas as crianças tenham escola e tempo para estudar.
Na
coletiva de imprensa concedida após a reunião, Kailash disse que “além de
estarmos lutando pelos direitos das crianças, estamos iniciando cultura
política, em que os problemas planetários e de longo prazo passam a ser
considerados pelos parlamentares nacionais”.
Em meu
discurso final disse que nosso objetivo não exige tanto esforço físico quanto
escalar o Monte Everest, próximo de onde nos reunimos, mas exige mais idealismo
e confiança. Não vamos escalar 8.500 metros, mas vamos lutar para atender aos
direitos de 1bilhão de crianças. A tarefa exige mais do que vencer a força da
gravidade e a falta de oxigênio; exige vencer a incompreensão dos que não veem
os problemas do mundo como seus problemas.
O
provincianismo e o imediatismo são um comportamento lógico da cultura política.
Por isso, o dr. Muhamed Çetim, deputado da Tuquia, quando discutimos a
realização da próxima reunião, em 2016, na Holanda, perguntou com certa ironia:
“Quantos de nós aqui seremos reeleitos em nossas próximas disputas
eleitorais?”. Felizmente alguém lembrou: “Se um escalador do Everest disse um
dia que fazia aquilo apenas porque o Everest estava lá, nós começamos o
Movimento Parlamentares sem Fronteiras pelos Direitos das Crianças do Mundo
porque as crianças estão lá, abandonadas no mundo”. A tarefa do movimento é
difícil, no entanto, quando concretizada, deixará marca profunda no mundo.
Para
levar os planos adiante, foi instituído um secretariado mundial, sediado em
Brasília, onde a ideia nasceu, e também em Kathmandu e Nova Délhi. É desafio à
nossa cidade, reconhecida, naquela reunião, por ter criado e entregue, 20 anos
atrás, sob muito descrédito, a primeira bolsa-escola.
*Cristovam Buarque
Professor
emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.