Justiça do DF: Corte receberá todos os processos de supostos crimes
cometidos por autoridades locais fora do mandato e desconexos da função
*Por Ana Viriato
Sete autoridades da capital federal, entre deputados e conselheiro do
Tribunal de Contas, terão os processos abertos em Cortes superiores
encaminhados para primeira e segunda instâncias. A restrição ocorre com base em
entendimento do STF
Com base na jurisprudência sobre o foro privilegiado, em uma semana, o
Supremo Tribunal Federal (STF) enviou à Justiça local três processos contra
deputados federais eleitos pelo DF. Nos próximos dias, o efeito cascata deve
aumentar. Pelo menos sete ações devem sair dos gabinetes de ministros e
desembargadores de instâncias ou Cortes superiores para as mãos de juízes.
Entre aqueles que podem perder o benefício em causas específicas estão a
distrital Telma Rufino (Pros) e o conselheiro do Tribunal de Contas do DF
(TCDF) Márcio Michel. Os dois casos definirão a postura do Conselho Especial do
Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) quanto às regras (veja Sem privilégio).
As restrições impostas pelo STF garantem que o foro especial valha
apenas para crimes praticados durante o mandato e ligados à função. Conforme o
entendimento, o ministro Luiz Fux declinou da competência e encaminhou à 7ª
Vara Criminal de Brasília, ontem, ação penal da Operação Caixa de Pandora contra
Rôney Nemer (PP). O parlamentar é suspeito de receber propina no governo de
José Roberto Arruda (PR), quando era distrital, em troca de apoio político ao
então chefe do Palácio do Buriti.
Em uma das gravações autorizadas pelo STJ e feitas pelo ex-secretário de
Relações Institucionais Durval Barbosa, delator da Pandora, o ex-governador
cita Nemer como um dos beneficiados. Na esfera cível, o parlamentar tem
condenação por improbidade administrativa em segunda instância, condição que,
por ora, o impede, com base na Lei da Ficha Limpa, de concorrer nas próximas
eleições.
Antes de Nemer, outros parlamentares do DF foram atingidos pela
restrição da regalia. Primeiro da lista, Alberto Fraga (DEM) teve o recurso
contra condenação por porte ilegal de arma remetido ao TJDFT. As investigações
sobre o caso começaram depois de a Polícia Federal encontrar, em um flat de
propriedade dele, itens proibidos, como um revólver calibre 357 Magnum, de uso
restrito das Forças Armadas. Havia, ainda, mais 283 projéteis de uso restrito.
A petista Erika Kokay deve responder na primeira instância por peculato
e ocultação de bens. Segundo a Procuradoria-Geral da República, a parlamentar
desviou recursos públicos do Sindicato dos Bancários e escondeu a origem da
verba, depositando os valores na conta bancária de um ex-funcionário. Erika
ocupou a Presidência da entidade entre 1992 e 1998, mas as irregularidades
teriam ocorrido em 2003.
Entre os políticos que podem ter processos remetidos à primeira
instância está o deputado federal e pré-candidato ao GDF Izalci Lucas (PSDB).
Trata-se de três inquéritos que apuram crimes relacionados à atuação à época em
que chefiava a Secretaria de Ciência e Tecnologia.
Pré-candidato ao Senado, Rogério Rosso (PSD) também é alvo de um
inquérito que se encaixa nesses critérios. Conforme as apurações da Polícia
Federal, enquanto ocupava o Executivo local, Rosso atuou em suposto esquema de
compra de votos para beneficiar Liliane Roriz (Pros), filha do ex-governador
Joaquim Roriz. Com o novo entendimento, as menções a ele em relação ao
superfaturamento do Estádio Nacional Mané Garrincha na Operação Panatenaico
tendem a ficar na Justiça Federal.
Adequações
A tendência é de que outras instâncias e Cortes superiores se adequem às
novas regras. O primeiro caso de um distrital será analisado pelo Conselho
Especial do TJDFT na terça-feira, em sessão em que os desembargadores julgariam
o recebimento da denúncia contra Telma Rufino por falsificação de diploma. Em
manifestação enviada ao relator do processo, desembargador Ângelo Passarelli, o
procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa, defendeu a restrição. “Ao
proclamar o resultado, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, registrou
que o entendimento daquele tribunal inclui a diretriz de que a nova orientação
deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso”, destacou.
O conselheiro do TCDF Márcio Michel abrirá as portas para o debate no
STJ. Relator da ação penal que aponta desvios de verba indenizatória, o
ministro Mauro Campbell pediu a manifestação do MPF sobre o tema. O julgamento
será na quarta-feira.
Princípios éticos
Em nota, Rôney Nemer afirmou que “confia na Justiça, independentemente
da instância”. “Depois de todos os depoimentos colhidos e das investigações
concluídas, tenho certeza de que a minha inocência será provada”. Fraga alegou
esperar “mais agilidade no processo, para comprovar logo a sua inocência”.
Erika Kokay pontuou que, em 2 de maio, a PGR enviou petição ao STF solicitando
o arquivamento do inquérito, sustentando “não subsistir a imputação do delito
de peculato, aludindo a informações prestadas pelo Banco do Brasil no decorrer
das investigações”.
Rogério Rosso declarou que “sempre agiu de acordo com a legislação e
pauta ações e conduta por princípios éticos e constitucionais”. “À época,
baixei um decreto com regras rígidas em respeito à lei eleitoral”, acrescentou.
Izalci ressaltou que “os inquéritos investigam denúncias patrocinadas de forma
escancarada pelo ex-governador Agnelo Queiroz”. “Nunca fui ordenador de
despesas da Secretaria. Espero que o caso seja resolvido com celeridade”,
disse.
Em nota, a assessoria de Telma Rufino apontou que, “como se trata de
entendimento pacificado pelo STF, sendo enquadrado no critério de simetria, a
defesa aguardava pelo envio do processo para a Justiça comum, não cabendo à
parlamentar qualquer tipo de manifestação”. O Correio não conseguiu contato com
Márcio Michel.
Incerteza
O destino da ação pela suposta exigência de propina de uma cooperativa
de micro-ônibus quando Fraga ocupou o cargo de secretário de Transporte é
incerto. Isso porque as partes apresentaram as alegações finais, mas surgiram
novas provas. A decisão de manutenção no STF ou a baixa do processo cabe ao
ministro Alexandre de Moraes.
Sem privilégio
Com base na restrição do foro, o STF declinou da competência e enviou a instâncias inferiores processos relacionados a quatro deputados federais. Entenda do que se trata:
Izalci Lucas (PSDB)
O que é: inquérito investiga se o deputado desviou bens doados pela Receita
Federal e pelo Tribunal de Contas da União à Secretaria de Ciência e Tecnologia
- Situação: deve ser enviado ao Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) - Data do suposto crime: entre
2009 e 2010, quando chefiava a Secretaria de Ciência e Tecnologia
O que é: inquérito investiga se o parlamentar desviou
recursos públicos no âmbito do Programa - de Inclusão Digital — DF Digital
- Situação: deve ser enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: 2009, quando chefiava a
Secretaria de Ciência e Tecnologia
O que é: inquérito investiga se o deputado federal
constrangeu servidores atuantes no Programa de Inclusão Digital — DF para
trabalharem como cabos eleitorais - Situação: deve ser
enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: entre 2009
e 2010, quando chefiava a Secretaria de Ciência e Tecnologia
Rogério Rosso (PSD)
O que é: inquérito investiga se o deputado federal atuou em suposto esquema
de compra de votos para beneficiar Liliane Roriz - Situação: deve
ser enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: em
2010, à época em que era governador
Rôney Nemer (PP)
O que é: ação penal aponta o recebimento de propina pelo parlamentar em troca
de apoio político ao ex-governador José Roberto Arruda - Situação: enviada ao TJDFT - Data do suposto crime: na gestão de Arruda
Erika Kokay (PT)
O que é: inquérito investiga se a deputada federal desviou recursos
públicos do Sindicato dos Bancários de Brasília e escondeu a origem da verba
- Situação: enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: 2003, à época em que era
deputada distrital
O que é: inquérito investiga se a parlamentar tomou parte dos
salários de uma assessora lotada em seu gabinete - Situação: deve
ser enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: entre 2006 e 2007, quando
era distrital
Márcio Michel
O que é: ação penal indica o uso indevido de verba
indenizatória da Câmara Legislativa à época em que o conselheiro do Tribunal de
Contas do DF detinha mandato - Situação: atualmente
no STJ, deve ser enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: entre
2012 e 2014, à época em que era parlamentar
Telma Rufino (Pros)
O que é: denúncia aponta a compra de diplomas de graduação e
pós-graduação usados pela distrital para se apresentar como administradora e
gestora pública - Situação: atualmente no Conselho
Especial do TJ, deve ser enviado à primeira instância - Data do suposto crime: entre 2013 e 2015
Alberto Fraga (DEM)
O que é: embargos infringentes contra condenação de 4 anos
de detenção, em regime aberto, por porte ilegal de armas - Situação: enviado ao TJDFT - Data do suposto crime: 2011, quando não ocupava cargo
eletivo
(*) Ana Viriato – Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Antonio
Cunha/CB/D.A.Press – Ed Alves/CB/D.A.Press – Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press –
Arthur Menescal/CB/D.A.Press – Correio Braziliense